Pedro Caetano: da NASA ao voluntariado num campo de refugiados

Foi um dos dois europeus a serem seleccionados para o curso de Medicina Aeroespacial da NASA. Agora está a fazer voluntariado num campo de refugiados com 40 mil pessoas, na fronteira entre a Tailândia e Myanmar. Sonha fazer mais pela Medicina Aeroespacial na Europa

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Pedro Caetano sabia-o. Mas ali, no campo de refugiados Mae La, na fronteira entre a Tailândia e Myanmar, o choque não podia ser mais pequeno. Constatar presencialmente as condições “desumanas” em que vivem “uns 70% da população mundial” não é o mesmo que saber em que condições vivem esses 70% por um jornal. O médico de 27 anos está há um mês a fazer voluntariado num lugar onde a evolução parece ter parado há um século. Meses antes, foi seleccionado para fazer um curso de Medicina Aeroespacial na NASA, onde o progresso tem uns bons anos de avanço relativamente ao que se vê em Portugal e na Europa.

Ir dos Estados Unidos da América à Tailândia foi como fazer uma viagem no tempo. "O primeiro impacto ao chegar é 'como é que é possível que em pleno século XXI se viva assim?' São condições impressionantes, não se imagina que isto exista", contou Pedro Caetano ao P3, numa entrevista feita por Skype. O médico, licenciado pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto, foi para o campo de refugiados Mae La depois de ser aceite num programa de voluntariado da ONG britânica SMRU, que estuda a malária e proporciona cuidados médicos à população birmanesa.

Na semana anterior à da conversa com o P3, Pedro - o primeiro português a fazer voluntariado nesta ONG - esteve presente em duas cirurgias, uma obstétrica e uma ginecológica. Nas duas, como em todas as intervenções feitas por ali, não foi usada qualquer anestesia, simplesmente "porque não há especialista nem há medicação". É deste tipo de realidade que se fala quando se fala das "condições impressionantes" deste campo de refugiados, onde vivem cerca de 40 mil pessoas. "Estamos a falar de doentes que se estiverem em internamento estão numa cama de madeira, sem colchão, todos seguidos, sem separação. As pessoas andam descalças, os métodos de contágio são imensos. Passam gatos, galinhas, cães no meio da clínica, é o normal, não há qualquer assepsia, condições de higiene", conta o jovem pós-graduado em Medicina de Viagem e Tropical pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical.

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Apesar do "trabalho notável" de voluntários no campo e do muito que por ali já se evoluiu (com a diminuição das taxas de mortalidade infantil e de mortalidade da mãe no parto ou redução de doenças como a malária e dengue), Pedro Caetano entristece perante um facto: "Percebemos que aquilo que podemos fazer por estas pessoas é pouco, quando olhamos para o futuro vemos que eles não têm nada."

"Capacidade de adaptação"

Para o jovem médico, que regressará a Portugal no fim do ano para continuar o internato em Medicina Geral e Familiar, esta é ainda assim uma "oportunidade única": "Quer a nível pessoal quer profissional, abre os horizontes e faz ver diferentes perspectivas." A capacidade de adaptação é, definitivamente, um item que Pedro Caetano pode incluir no currículo. Antes do voluntariado, o português tinha passado dois meses na NASA, depois de ter sido seleccionado para lá fazer um curso de Medicina Aeroespacial.

Pedro e Carolina Moreira foram os únicos portugueses e europeus a serem escolhidos para este curso, feito entre a Universidade do Texas e as "impressionantes" instalações da NASA. "Um médico aeroespacial tem como missão combater as doenças e os factores de stress associados a estadias num ambiente sem gravidade e de extrema aceleração, o que provoca problemas a nível cardio-vascular, gastrointestinal e ópticos, entre outros", sintetiza o jovem de 27 anos.

Desde miúdo que Pedro tem um fascínio por esta instituição, "local de culto e símbolo do século passado": "Cresci a ouvir histórias, quando era pequeno queria ser astronauta. Poder juntar a Medicina a essa área foi espectacular." Apesar do interesse ser antigo, só depois de ter concluído o curso de Medicina no ICBAS e já na pós-graduação que fez em Lisboa conheceu o curso da NASA. "Percebi que em Portugal esta era uma área fechada e investiguei o que podia fazer fora. Descobri este curso numa pesquisa online", recorda.

Nos EUA, no pequeno grupo de 15 pessoas seleccionadas a nível mundial para o curso depois de um extenso concurso, teve oportunidade de ver de perto os treinos dos astronautas e todo o trabalho que um médico aeroespacial faz para preparar as missões fora de órbita. "Já se prepara um astronauta antes para que quando ele regressa esteja num estado físico melhor do que aquele em que foi. Através de treinos e parte fisiátrica conseguem fazer com que venham quase super-heróis."

O que viu na NASA chegou para perceber que quer ficar "ligado a esta área" de que se vai "ouvir falar mais no futuro": "Gostava de trazer alguma coisa para Portugal, mas as mentalidades ainda não estão muito abertas, além das condicionantes económicas, de infra-estruturas, de apoio... Teria de ser sempre alguma coisa a nível europeu."

Para já, o médico vai acabar a missão de voluntariado no campo de refugiados Mae La e regressar, no fim do ano, ao primeiro ano de internato na USF Nova Via, em Vila Nova de Gaia, Portugal: "Paralelamente quero continuar a fazer investigação na área da medicina tropical e aeroespacial." A falta de vagas para os jovens médicos fazerem a especialização e a consequente necessidade de emigrar, situação para a qual a Ordem dos Médicos e as faculdades têm alertado, não afectou Pedro, que conseguiu vaga facilmente. O portuense defende que o Estado não devia ter obrigatoriedade de garantir vaga para todos os licenciados, mas que, nesse caso, a especialização teria de deixar de ser obrigatória para que o exercício da profissão seja permitido, como acontece em Espanha, por exemplo. "É óbvio que é melhor ter médicos especializados, mas se não houver vagas há que mudar o regime", sugere.

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