Tratado Transatlântico: O Império Contra-Ataca

Sob a bandeira do “comércio livre”, o TTIP propõe reduzir os Estados Unidos e a União Europeia a um espaço comercial cada vez mais próximo

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JD Hancock/Flickr

Imagina um documento, desconhecido pela maioria da população da União Europeia e dos Estados Unidos, que substituía as leis nacionais e comunitárias de uma só vez. Imagina que esse documento era discutido atrás de portas fechadas, com as negociações entregues a burocratas não eleitos e representantes de empresas multinacionais. Imagina que esse documento quebrava à partida a legislação comunitária ao ser discutido em segredo. Imagina que o documento entrava em vigor e tu nem sabias de nada. Era uma obra de ficção ao nível da Guerra das Estrelas, com traições, acordos secretos e subversão das instituições.

Não precisas imaginar mais. Esse documento chama-se Tratado de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (sigla TTIP) e está em discussão há meses em Bruxelas e Washington.

Sob a bandeira do “comércio livre”, o TTIP propõe reduzir os Estados Unidos e a União Europeia a um espaço comercial cada vez mais próximo. Como? O tratado põe sempre em comparação as leis dos dois espaços para decidir qual aquela que deve vigorar em benefício do “comércio e do investimento”. Para “harmonizar as regulamentações”, o tratado cria o Conselho de Cooperação Regulamentar. Imagina que uma empresa americana quer investir na Europa, onde é proibido pôr hormonas na carne de vaca ou mergulhar os frangos em cloro depois do abate. O investidor terá o direito de exigir a suspensão da legislação que proíbe estes métodos perigosos para a saúde humana. Imagina que um investidor do Alasca quer começar negócio em França e está insatisfeito com a possibilidade de ter de pagar um subsídio de férias, ou de ter de pagar uma indemnização a um trabalhador que despeça. Tem o direito de exigir a suspensão das leis que garantem direitos aos trabalhadores.

Imagina agora que o país em que ocorrem esses “investimentos” não aceita revogar as suas leis perante o investidor estrangeiro. Que não aceita destruir a legislação de protecção do ambiente, da legislação laboral... Vão para os tribunais, certo? Não. O TTIP cria o mecanismo de “Resolução de Litígios entre os Investidores eo Estado” (ISDS), que, não sendo um tribunal, decidirá sempre que uma empresa processar um Estado por pôr em causa ganhos futuros. O ISDS mais não é que uma reunião de advogados das principais firmas privadas em que está proibido levar em conta questões de saúde pública, direitos humanos, protecção ambiental, direitos laborais e direitos sociais. Só o comércio e o investimento livre interessam. Dá às empresas o poder de estados, e podem exigir não só a alteração de leis em vigor como impedir a criação de novas leis por parte de organismos eleitos democraticamente como os parlamentos.

A Comissão Europeia fez sair um estudo para defender o Tratado, dizendo que o mesmo aumentará o PIB da União Europeia em 0,66% até 2027. 0,06% de aumento do PIB por ano em troca do desmantelamento das leis que evitam vivermos num aterro sanitário, que evitam a desprotecção total no desemprego, que tentam proibir comida imprópria para consumo humano ou que os rios possam não ser uma fossa séptica. Mas mais importante, 0,06% de aumento de PIB ao ano para impedir que melhoremos tudo o que de errado já há onde vivemos: para impedir o combate à precarização de quem trabalha, para impedir que possamos viver de forma harmoniosa com o nosso ambiente, não o destruindo a bel-prazer de “investidores”, para impedir que os povos da União Europeia e dos Estados possam decidir democrática e colectivamente qual o futuro que querem. 0,06% de crescimento ao ano tem um nome em “economês”: recessão.

É por tudo isto que o tratado tem de ser negociado de maneira secreta. É por isso que não querem escrutínio público ou democrático. É a política da Guerra das Estrelas, com tecnologias de ponta a ser dirigidas por pessoas que defendem os princípios da Idade Média. Quando chegar a hora de apresentar o tratado vão gritar a sua única justificação de medo: a China! a Rússia! É este o Contra-Ataque do Império. Obama, Merkel, Juncker e David Cameron competem para ser o Darth Vader das multinacionais. Está na hora dos Jedis!

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