A necessidade do diálogo

“Good Will Hunting” (1997) poderia ser apenas mais um filme com uma interpretação irrepreensível de Robin Williams, actor que nos fazia rir com uma espécie de vontade de chorar. Mas é mais do que isso

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Há filmes que nos marcam, não pela qualidade mas pela maneira como nos tocam. “Good Will Hunting” (1997) poderia ser apenas mais um filme de Gus Van Sant sobre depressões e inadaptados ou mais um filme com uma interpretação irrepreensível de Robin Williams, actor que nos fazia rir com uma espécie de vontade de chorar. Mas é mais do que isso. É um dos filmes em que melhor se explora a impossibilidade de vivermos solitariamente e em guerra contra o mundo.

O filme começa com a personagem interpretada por Ben Affleck de cigarro na boca e fato de treino vestido à espera de Will (Matt Damon), que sai de uma casa a cair aos bocados. O cenário é de pobreza. Will e o seu grupo de amigos arruaceiros são jovens que não foram à universidade e cresceram sem pais e à base de violência. Will trabalha nas limpezas numa faculdade e, génio que é, entretém-se a resolver problemas matemáticos que mais ninguém resolve. Este rapaz, órfão, cresceu cheio de raiva contra tudo e só confia nos seus amigos, só por eles não se sente traído. Num bar, intromete-se numa conversa em que Affleck, pouco dotado em termos intelectuais, se preparava para ser humilhado por um universitário rico, portador de cabelo à Michael Bolton. Cita livros de economia e verga o menino rico e capta a atenção de Skylar, aquela que virá a ser a sua namorada. Mas Will vive tão fechado dentro de si mesmo que nem se apercebe de que a rapariga fica muito tempo à espera que ele se meta com ela. É ela quem acaba por se lhe apresentar.

Com um historial de violência, de brigas, de assaltos e de passagens por várias famílias de adopção, Will acaba preso. É o professor de matemática da faculdade onde trabalha que, fascinado pela sua inteligência, o tira da prisão. Will fica obrigado a estudar com o professor e a ver um terapeuta uma vez por semana. É aqui que aparece Robin Williams. Sabemos à partida que este terapeuta interpretado por Williams é alguém que também tem os seus problemas. E é aí que o filme ganha interesse. A cura de Will passa pela cura do próprio terapeuta. Um é defensivo, foi rejeitado pelos pais, sente-se traído por todos, e o outro é viúvo e recusa-se a enterrar de uma vez por todas a mulher.

Podemos pensar que uma depressão se cura com comprimidos. Mas uma depressão começa a passar quando saímos de nós mesmos. É a recusa de sair da bolha que nos mata. Will sabe tudo sobre tudo mas não sabe nada sobre a realidade. É um génio mas não é um homem confiante, pensa como uma criança assustada. E o terapeuta é aquilo que para mim Robin Williams sempre foi: um homem que, primeiro, nos faz rir à gargalhada porque nos acaba de dizer que a mulher soltava gazes a dormir e que, depois, nos revela que a mulher morreu. Will tem de começar a pensar como um homem e o terapeuta tem de se apaixonar pela vida. O que resulta disto? A necessidade do diálogo. A necessidade de criar laços.

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