A recente vitória de Thomas Neuwirth (na sua encarnação de Conchita Wurst) no Festival Eurovisão penso que apenas nos diz uma coisa que, aliás, já sabíamos: a cultura europeia já não é dominada por fundamentalistas.
Quanto ao resto, penso que esta vitória terá pouco significado. Isto é, nem representa que os povos europeus sejam ultra tolerantes e apoiantes de tudo que seja extravagante, nem nos diz que não existe conservadorismo e tradição na Europa. Não vejo, por isso, motivos para os pós-modernistas celebrarem nem para os conservadores entrarem em pânico. Afinal, trata-se apenas de um Festival Eurovisão.
Aqueles que têm uma visão cínica do mundo e da história universal sabem bem que não é o folclore que dita as leis do jogo. Sabem bem que o poder mundial muda muito menos, e muito mais devagar, do que as aparências.
Já quando Obama ganhou as eleições presidenciais norte-americanas se clamou por um marco histórico. Não me pareceu. Muito mais importante do que actos ou acontecimentos simbólicos é realidade do dia-a-dia que, essa sim, tudo condiciona e determina.
Conchita Wurst não passará de um epifenómeno, de que poucos se lembrarão dentro de um par de anos. Não se me afigura que Thomas Neuwirth seja capaz de determinar uma nova tendência (a de homens vestirem-se de mulher, com a barba por fazer) nem de ser um líder seja do que for.
O que é verdadeiramente determinante para se concretizar a não discriminação e a sã convivência entre os seres humanos é a lei e a educação. Na lei, devem ser proibidas e punidas todas as formas de discriminação. Na educação das crianças, devemos incutir a noção de respeito pelo outro (por mais diferente que seja de nós) e a noção da normalidade da diversidade. Nesses departamentos, mesmo no mundo ocidental, ainda há muito caminho a percorrer. Noutras paragens do mundo, ainda estamos na pré-história.
Enfim, quando vi na Internet a actuação de Conchita no festival da canção, fiz duas associações: a voz fez-me lembrar a de Bryn Christopher (da banda sonora da “Anatomia de Grey”, embora a do Bryn seja muito melhor) e a música soou-me a James Bond. Quanto ao resto, não era um espetáculo de transformismo (provavelmente o pior espetáculo do mundo, onde homens vestidos de mulher fazem playback de horríveis baladas do anos 80) e a conjugação da barba com um guarda-roupa feminino conseguiu o seu desiderato: visibilidade, graças a uma irónica e inovadora provocação.