Quintino Aires (QA) é um psicólogo português com grande exposição mediática que gosta de primar pela polémica, pelo politicamente incorrecto e pela opinião fácil. De entre as várias aparições mediáticas (na televisão, rádio ou jornais) destaca-se, pela quantidade, a rubrica da Antena 3 da rádio difusão portuguesa (RDP), “A Hora do Sexo”.
Nessa rubrica de poucos minutos, QA expõe, diariamente, as suas opiniões sobre sexo, afectos, relações e tudo mais que lhe vier à cabeça. Até aqui, tudo bem. O problema começa quando se constata que QA utiliza o seu tempo de antena com uma ligeireza completamente desadequada: porque está numa estação pública de rádio (que tem a responsabilidade de prestar serviço público) e porque fala na sua condição de especialista em psicologia (e não na de “homem no café que diz coisas”).
Estou longe de ser o primeiro a fazer uma crítica à “Hora do sexo”. Os provedores do ouvinte da RDP já têm recebido inúmeras queixas contra esse programa e contra o comportamento de QA em diversas situações concretas. E note-se bem, nada tenho contra as polémicas ou o contra o politicamente incorrecto. Acho muito bom sermos estimulados para pensar nos assuntos de maneiras inovadoras e surpreendentes. E nada tenho contra QA enquanto ser humano. Não o conheço e não faço julgamentos de carácter à distância. O que critico são as suas afirmações em muitos desses programas e a forma como aborda o tema da sexualidade. É que uma coisa é ter-se uma visão descontraída e descomplexada sobre sexualidade (o que acho fantástico), outra é vulgarizá-la quando é abordada com futilidade ou dogmatismo opinativo. É que quando um especialista é convidado a falar sobre o tema da sua especialidade não se espera ouvir as suas opiniões mas antes as diferentes conclusões a que a ciência já chegou a esse respeito. Assim, a precaução, a dúvida e a humildade intelectual têm que ser o apanágio do especialista. A atitude científica a isso obriga (não há verdades absolutas em ciência!). Ainda para mais, as questões da sexualidade são delicadas, uma vez que têm impactos na nossa saúde (com as Doenças Sexualmente Transmissíveis, por exemplo), nos nossos afectos e na nossa auto-estima. Enfim, dizem respeito a uma dimensão muito importante das nossas vidas. Proferir opiniões de uma forma dogmática, investido da condição de especialista é, no mínimo, falta de bom senso.
QA não devia dizer que a existência de jovens de 26 anos sexualmente virgens é um problema de saúde pública, uma vez que não há indicações inequívocas da comunidade científica nesse sentido (a Ordem dos Psicólogos portuguesa repreendeu-o com pena suspensa de dois anos por causa dessas declarações).
QA não devia dizer que quem é contra a adopção de crianças por casais do mesmo sexo são pessoas que pensam demais em sexo entre adultos e crianças (mais uma vez, qual o fundamento científico de tal insinuação insultuosa?).
QA não devia dizer que os portugueses que emigram são cobardes, como ratos que abandonam o barco, ao contrário dele próprio que se manteve a lutar por Portugal (não é pago para falar sobre emigração e, no mínimo, demonstra muito pouca sensibilidade e empatia).
A outra opção será deixar QA dizer o que lhe apetecer mas o programa passar a ser anunciado como “A hora do sexo, com um indivíduo que diz coisas”. Com já disse, choca-me que isto aconteça numa rádio pública, que tem especiais responsabilidades e em que são os nossos impostos que estão a servir para que seja prestado tão duvidoso serviço. E ainda me faz mais confusão quando a própria RDP tem, na Antena 1, o paradigma do que é serviço público nesta matéria: os programas do Prof. Júlio Machado Vaz, que primam pela seriedade, humildade e descontracção. QA devia aprender nessa escola como falar sobre sexualidade aos média (e é inquietante notar como QA responde, por vezes, com arrogância às críticas que os provedores da RDP lhe vão fazendo chegar, demostrando que não está muito disponível para ouvir quem pensa diferentemente…).
Enfim, talvez QA adopte esta postura propositadamente para que a polémica lhe garanta visibilidade. Mas a rádio pública (que com as suas três Antenas é a minha rádio favorita) não devia ser cúmplice dessa estratégia (por mais audiência que o programa possa ter).