A palavra entrou no léxico dos portugueses e parece ter vindo para ficar. Como tem sido prática desde que a Internet revolucionou novas tendências comportamentais, não nos demos ao trabalho de inventar uma tradução. Ainda bem, para esterilidade já temos as nossas próprias invenções, não precisamos de novas.
A fotografia tirada a si próprio (sozinho ou acompanhado) é a versão contemporânea da imagem narcisista que conhecemos dos primórdios, em que os nativos se viam ao espelho nas águas do lago ou rio mais próximos.
Ao longo dos tempos habituamo-nos a uma sociedade que critica o narcisismo e egocentrismo, e premeia o altruísmo. Faz todo o sentido dar mérito às atitudes altruístas, mas será que elas realmente competem com um determinado nível de narcisismo? Não me parece – salvaguardados os exageros, que quase sempre resultam mal, qualquer que seja o assunto.
As selfies são o fim da nossa vergonha. Deixamos de ter vergonha de gostar de nós, libertamo-nos do medo de mostrar que sim, que gostamos de quem somos, do que fazemos, de onde vamos, de com quem estamos. Que gostamos de partilhar-nos a nós, à nossa imagem, aos nossosmomentos.
Liberdade 2.0
Esta é a Liberdade 2.0, onde somos quem nos apetece, fazemos o que nos dá na real gana e gostamos de partilhar, conseguindo ainda ser suficientemente artistas para inventar uma forma de sermos nós a captar esse momento tão nosso. Tem mal?
Só tem mal porque fomos ensinados a acreditar que vergonha é melhor que vaidade. Gostar de nós mesmos é o primeiro de todos os passos para queremos melhorar e evoluir, como a consciência é o primeiro degrau do conhecimento consagrado nos primórdios da filosofia.
Não esqueçamos contudo as pessoas com quem partilhamos esse eu de que tanto gostamos, esses momentos que tanto amamos. Gostarão elas de nos ver a toda a hora? Terão paciência para nos ver em mil #instashots, a toda a hora e em qualquer lugar? Quando escrevi o “The end of Facebook – as we know it (Junho 2013)” ouvi centenas de pessoas de todo o mundo desgastadas com o "oversharing" – o excesso de partilhas que nos tornam exagerados e cansativos.
Até porque há uma grande diferença entre partilhar os nossos momentos e agredir os outros com os mesmos. Porque se gostar de nós mesmos é o primeiro degrau, o último é a humildade (Schopenhauer).
Aderir à moda das selfies não só não tem mal algum, como até é bastante saudável : desde que saibamos como o fazer. Ter a consciência de até onde nos querem ouvir as microredes com quem fazemos cada partilha é uma competência nova, que se compara à ímpar qualidade de saber quando falar e quando estar calado. E isso não tem preço.