Há tempos, discutindo uma generalizada falta de empatia com os problemas de outros povos, não europeus ou ocidentais, um amigo justificou-me a irrelevância da ponderação da qualidade de vida entre os povos, com a inexistência de uma consciência global. De facto, pensei, somos seres sociais e, como sociais que somos, sentimos o que nos rodeia e não o que à distância parece irreal. Somos empáticos com quem nos identificamos (vide definição de empatia) e tomamos as suas dores num ápice. Ainda assim, duvidei.
Esta semana, uma notícia trouxe à memória o atentado da maratona de Boston, de há cerca de um ano, e a obsessiva procura por responsáveis. E a dúvida voltou: mantém-se a necessidade de explicação porque foi algo que, empaticamente, nos fez sofrer (o pequeno Martin ficou, certamente, na memória global), mas será sempre assim?
Mortes prematuras são sempre de lamentar; às de crianças, então, é-nos impossível ficar indiferente. Mas serão todas igualmente incompreensíveis? Temo que não. Assim se compreende uma reacção, consciente ou empática, mais acentuada à desgraça de quem nos é próximo, geográfica ou culturalmente, potenciando correntes de solidariedade com as vítimas, sejam de atentados, acidentes ou meros infortúnios, enquanto massacres diários em zonas distantes não produzem impacto comparável.
Quando reportagens, na Síria ou na Palestina, nos mostram abertamente crianças mutiladas, ou sem vida, nos braços dos pais em sofrimento, o horror social tende a ser, comparativamente, insignificante. A empatia parece ser, de facto, local. Mas eu sofro, empático. Uma empatia global que nutro, diariamente.
E cada nova nuance das tragédias do mundo ocidental (lembro-me da descrição do pequeno Martin a abraçar o pai antes da explosão) traz-me à memória aquela mãe síria, incógnita na existência e perdida no olhar, e no abraço apertado que não quis deixar de dar ao filho, incompreensivelmente inanimado. Não sei o nome dele, não preciso; sinto-o. Tomo como minhas as dores dessa mulher, que não sabe como conseguirá viver nos escombros daquela que foi um dia a sua casa, nos escombros daquele que foi sempre o seu país, e agora, sem o filho, nos escombros daquela que foi um dia a sua vida...
Durante anos o mundo lutou pela globalização, que algo de bom viria daí. Para alguns, a globalização da qualidade de vida que apenas a outros era acessível. Para os outros, a globalização da oportunidade de melhorar a sua (já acima da média global) qualidade de vida. Soubemos fazer a segunda; esquecemos a primeira. Globalizámos sem empatia e não cuidámos a consciência global.
Entenda-se: é, claramente, mais fácil viver, e construir empatias, localmente. Conscientemente, concentramo-nos no local, para suportar o global. De que outra forma poderíamos deliciar-nos com a alegria de um filho que suja as mãos a bater os ovos de um bolo que lhe adoçará a tarde se, simultaneamente, nos lembrarmos daquela criança que vimos procurar, nos escombros, o irmão que não mais o poderá amparar?
Dou-lhe, por isso, razão: é talvez verdade que não exista uma consciência global, e muito menos uma empatia global. Mas não deixarei de as procurar; fazem-me ambas muita falta.