“Ele é o homem certo para ti, nunca vais encontrar ninguém como ele, ouve o que te digo…”, diz a Sofia ao telefone, com a irmã do outro lado da linha, enquanto o comboio passa mais uma estação. “Aquele estúpido enganou a minha filha e agora vive com aquela mulherzinha que nem sabe cozinhar!”, conta a D. Eugénia à amiga enquanto o chá arrefece, na confeitaria do costume. “Ontem fui a casa de uns amigos jantar, a São e o Carlos, o contabilista. Aqueles que moram junto à escola. Eles tinham a cozinha tão suja…”, quase grita Elsa, para se fazer ouvir entre os secadores que a cabeleireira Céu manuseia com destreza. “Ai a minha cunhada, a Fátima, é assim, gasta o que pode e o que não pode em roupa”, diz a Sónia à vizinha, na sala de espera do médico.
Estas são conversas reais, que se ouvem nos sítios mais inesperados. Umas vezes ao telefone, outras pessoalmente, há indivíduos que fazem questão de partilhar as suas vidas, dando voz às suas angústias, desabafos e outras intimidades nos mais variados locais públicos. Já me aconteceu, nesta partilha involuntária, ouvir falar sobre pessoas que conheço. E quanto mais ouço, mais peço à minha mente para deixar de ouvir, pois não seria capaz de meter-me numa conversa que não é minha. Também já me aconteceu ouvir coisas hilariantes e ter de disfarçar o humor a transbordar em gargalhadas com a leitura de uma revista, um livro ou um telefonema. Também já me emocionei, aprisionando as lágrimas e fitando o horizonte. Já me irritei, com disparates e maldades, e não foi propriamente fácil manter uma atitude neutra. Mas também já ouvi coisas românticas, como conversas de amor, entre casais apaixonados, bem como algumas zangas.
A questão que eu me coloco é sempre esta: será que as pessoas têm noção de que estão a ser ouvidas? Mais: será que percebem que as outras pessoas (se forem mentalmente sãs) não têm o mínimo interesse em ouvirem as suas conversas e que até ficam constrangidas por estarem a ser obrigadas a entrar na intimidade alheia? Chego a colocar a hipótese, nalguns casos, que há quem faça isto de propósito, numa tentativa de aumentar a audiência da história das suas vidas ou das suas opiniões sobre as vidas alheias. Pode também ser falta de senso em relação às fronteiras da intimidade. Nalguns casos, pode ser apenas uma distracção, que pode acontecer a qualquer um.
Dou a minha missão como cumprida se pelo menos algumas pessoas, depois de lerem esta crónica, pensarem duas vezes antes de falarem, enquanto estão na fila de supermercado ou no autocarro, sobre os pêlos encravados do namorado, as dívidas do colega ou as proezas amorosas do vizinho.