Bruxelas igual ao Governo na previsão do PIB, mas mais pessimista no défice

Comissão prevê défice de 0,9% e não antecipa qualquer redução no défice estrutural. Pierre Moscovici elogia "performance robusta" de Portugal nos últimos anos.

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Pierre Moscovici, comissário europeu, e Mário Centeno, ministro das Finanças Enric Vives-Rubio

A Comissão Europeia reviu nesta quinta-feira em ligeira alta as suas previsões de crescimento para a economia portuguesa, passando a acompanhar o Governo na estimativa de variação do PIB de 2,3% neste ano. No entanto, em relação ao défice público, Bruxelas mantém algumas dúvidas em relação à capacidade do executivo para cumprir o novo objectivo traçado no Programa de Estabilidade.

Na Previsões de Primavera agora apresentadas, o executivo europeu coloca Portugal, durante este ano e o próximo, a crescer ao mesmo ritmo da média europeia, com variações do PIB de 2,3% em 2018 seguidas por um abrandamento para 2% em 2019. A economia portuguesa, que em 2017 cresceu mais do que a média da UE e da zona euro, passaria agora a registar um ritmo idêntico ao dos seus parceiros.

No que diz respeito à frente orçamental, as novas previsões da Comissão Europeia continuam a revelar algumas dúvidas em relação às metas traçadas pelo Governo, já que apontam para um défice de 0,9% neste ano. Este valor é idêntico ao que foi traçado pelo executivo no Orçamento do Estado para 2018, mas fica acima dos 0,7% que foram definidos como novo objectivo há duas semanas, quando foi apresentado o Programa de Estabilidade.

Ainda mais acentuadas são as diferenças entre Lisboa e Bruxelas nas previsões de variação do défice estrutural, um indicador relevante, já que é a forma utilizada nas regras europeias para medir o esforço de consolidação orçamental, exigindo-se aos países que registem uma redução de 0,5 pontos percentuais ao ano até atingirem o objectivo de médio prazo que lhes é definido. Enquanto o Governo antecipa no Programa de Estabilidade uma redução de 0,4 e 0,6 pontos em 2018 e 2019, respectivamente, a Comissão Europeia diz que o défice estrutural se irá manter inalterado nestes dois anos.

Na sua análise, a Comissão Europeia assinala, em relação ao défice nominal, que deve sofre o impacto “de novas operações de apoio ao sector bancário, em particular a activação do mecanismo de capital contingente do Novo Banco”, que Bruxelas estima possa ter um efeito na despesa equivalente a 0,4% do PIB. Deste modo, para a Comissão, o défice público depois de retirado o efeito das medidas extraordinárias irá situar-se este ano em 0,5%.

No que diz respeito ao défice estrutural, a projecção de manutenção deste indicador neste ano é justificada pelo facto de “o impacto das medidas discricionárias e das poupanças com juros se manter em geral neutro”. Isto é, a Comissão considera que aquilo que o Estado português irá conseguir poupar em juros acabará por ser compensado pela subida de despesa ou redução de receita provocadas por medidas anunciadas pelo Governo. De resto, considera Bruxelas, qualquer outro efeito positivo no défice está ligado à evolução cíclica da economia, não contando por isso para o défice estrutural.

Esta diferença de avaliação em relação à evolução do défice estrutural tem sido o motivo das principais discussões entre o Governo e a Comissão Europeia relativamente à condução da política orçamental portuguesa nos últimos anos.

Moscovici elogia "performance robusta"

As diferenças nas previsões, não impediram que, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, Pierre Moscovici deixasse fortes elogios aos resultados económicos e orçamentais registados por Portugal. O comissário europeu para os assuntos económicos e financeiros afirmou que a abordagem seguida por Bruxelas relativamente a Portugal "foi muito cuidadosa", assinalando que, no que diz respeito ao equilíbrio orçamental, "as conclusões são muito positivas" e que as previsões são "muito similares" às do Governo.

O tom elogioso acentuou-se ainda mias, quando questionado sobre o eventual impacto de medidas eleitoralistas nas projecções económicas deste ano e do próximo. “Portugal teve uma performance robusta, que os eleitores devem avaliar e decidir se querem ou não que essa política seja prosseguida. Mas em todo o caso, ela obteve resultados que, seja qual for o Governo, não devem ser postos em causa”, considerou Moscovici, que lembrou que na Europa “as eleições nunca são um problema”.

Sobre a queixa de Mário Centeno quanto aos critérios seguidos pelo Eurostat, que obrigou a incluir o impacto orçamental da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos no cálculo do défice, Pierre Moscovici apenas lembrou que “o Eurostat é um organismo independente e todos temos que respeitar as suas decisões”. “Pode haver um diálogo entre o Governo e o Eurostat”, admitiu o comissário, sem fazer mais comentários.

Indicadores europeus "a piscarem a verde"

No que diz respeito à economia europeia, o cenário de agravamento de riscos na frente comercial não impediu que a Comissão mantivesse as previsões que tinha apresentado há três meses. 

“A economia europeia está em bom estado, aliás, em muito bom estado, com todos os indicadores a piscarem a verde. Os números mostram, muito claramente e sem a mínima ambiguidade que a situação económica está melhor”, frisou Pierre Moscovici, salientando que no ano de 2017 se constatou “o melhor desempenho económico dos últimos dez anos” na Europa, com o Produto Interno Bruto a crescer em todos os países, o desemprego a cair para o nível mais baixo dos últimos dez anos, a inflação de nível baixo e sob controlo e "pela primeira vez”, todos os países da zona euro a apresentarem um défice orçamental abaixo dos 3%.

“O nosso diagnóstico, e também prognóstico, é que esta é uma fase de expansão sólida e sustentada”, afirmou o comissário, que apesar de saudar uma etapa histórica para a economia europeia não deixou de alertar para os “riscos apreciáveis que existem e que exigem vigilância”, e que têm sobretudo a ver com “o ambiente exterior à UE que nos deve preocupar”. “Não passamos de repente do negro ao rosa”, preveniu.

A mensagem da Comissão é que os países devem aproveitar este contexto positivo para implementar políticas que encorajam o crescimento e aumentam a resiliência a eventuais choques e crises, e para dar passos no sentido da redução da dívida — “essa é uma das nossas mensagens principais”, insistiu Moscovici. “Agora não é o momento para sentar e relaxar, não podemos ser complacentes, até porque os riscos externos aumentaram”.

Sem se alongar muito em respostas sobre as consequências de uma futura guerra comercial com os Estados Unidos, se a Administração norte-americana insistir em aumentar as taxas de importação de produtos de aço e alumínio vindos da Europa, o comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros disse esperar que a suspensão provisória dessa medida venha a tornar-se permanente. “Ninguém deseja uma escalada”, frisou.

Apesar de não ter referido o Presidente norte-americano Donald Trump pelo nome, Moscovici lamentou a actual deriva proteccionista, que “não pode tornar-se o novo normal” nas relações económicas internacionais e no comércio global. “O proteccionismo não é solução, o proteccionismo só cria problemas, económicos e políticos”, defendeu.

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