Matosinhos, mar, mural: três tags transformadas em arte na rua
Dez dos melhores artistas de rua portugueses estão a fazer de um enorme muro, em Leça do Balio, uma galeria do seu trabalho. Com Matosinhos como tema
As palavras chave são três: Matosinhos, mar, mural. Estão lá os mitos, e os rostos mitificados: O romano Caio Carpo, cuja lenda está na origem do nome deste município, pela mão de Gonçalo MAR, e um lobo... também do mar – tão real como um verdadeiro e velho pescador, mesmo nos traços sketchy que caracterizam a obra de Frederico Draw. Dez dos melhores artistas de rua portugueses estão a pôr Matosinhos num enorme muro e, com ele, vão pôr este concelho no mapa da Arte Urbana do país e do mundo.
O Centro de Negócios da Lionesa, em Leça do Balio, tinha no muro das traseiras da fábrica da Unicer uma espécie de barreira cinzenta. Mesmo com a rua e esta colossal parede de 1500 metros quadrados a separá-las, as duas entidades não andavam, ainda assim, de costas voltadas e a parceria que as juntou, mais a câmara de Matosinhos, neste projecto, foi natural. Junte-se a curadora e artista plástica Catarina Machado e, a convite desta, RAM Miguel, um dos mais experientes artistas de rua portugueses, que fez a lista de convidados, e o resultado está à vista, em fase adiantada, mesmo que a inauguração seja apenas a 11 de Abril.
Estão lá Draw e Mr. Dheo, o Colectivo Distopia, Caos e Third, a “representar” o Norte. Estão lá RAM, Mário Belém, o angolano Nomem, Utopia (Brasil), Mar e RAM, a representar o Sul. E está lá muito do que é Matosinhos. A rosácea do mosteiro de Leça, reinventada por RAM, o mar e a cidade, o peixe e a pesca, os homens que pescam e os que naufragam – cena cinzenta a que Mário Belém decidiu acrescentar uma explosão de cor saída de uma garrafa, dessas que atiramos, com mensagens, à água. E numa segunda fase, já iniciada, hão de estar referências, estilizadas por este colectivo, à Lionesa e à Unicer.
Patrocinado por estas duas firmas, o imenso mural é ele próprio, uma mensagem, pela sua imensidão: um tributo de empresas a um tipo de arte que vai perdendo o ar de “marginalidade” que lhe estava associada, com a sucessão de projectos em várias cidades do país. RAM, que vive disto há dez anos, fez questão de convidar apenas profissionais. Para marcar a distância entre a qualidade destes trabalhos e o resto, as pinturas ilegais, e os tags, que hão-de sempre existir, como assinalou ao PÚBLICO.
Antiga têxtil transformada em centro de empresas, a Lionesa, explicou o seu administrador, Pedro Pinto, vai ceder-lhes um espaço, a partir do qual os artistas poderão lançar-se noutros projectos, realizar workshops e organizarem-se, no fundo, como num “negócio”. E a Unicer, explicou está já a estudar a hipótese de levar estas manifestações em murais para os festivais que patrocina e admite até lançar uma edição especial de cerveja com rótulos baseados nestes trabalhos.
“Não estamos a falar de graffiters, ou de writters…estamos a falar, acima de tudo, de artistas, e muito bons”, frisa a curadora Catarina Machado, no espaço que há-de ser deles, onde se vêem esboços nas paredes e latas, muitas latas de tinta, pelo chão. Pela vidraça, um pescador, hiper-realisticamente pintado por Mr. Dheo (que usou o rosto de Gonçalo Mar como modelo), parece querer entrar na conversa, com o seu peixe no anzol e a palavra atum tatuada nas falanges.
E na verdade, cada um dos intervenientes quer ser tema de conversa por parte dos que venham a visitar o local: as empresas, nota Pedro Pinto, que deixam de trabalhar com base nos seus “segredos que dantes eram a alma do negócio” para fazerem da partilha, do networking com os artistas, uma forma de se darem, e os dar, a conhecer; os autores, que vão multiplicando os espaços onde trabalhar, em Portugal; e a autarquia, garante o presidente Guilherme Pinto, que abriria os braços à multiplicação de iniciativas como esta por outros pontos do concelho.