União Europeia: uma questão de valores

A Hungria discrimina os próprios cidadãos em função da sua religião, o que colide com os valores que fundam a União Europeia

Foto
Laszlo Balogh/Reuters

Soube-se, recentemente, que a Comissão Europeia apresentou uma nova proposta de estratégia para vigiar e punir as ameaças ao Estado de direito que ocorram em algum dos Estados-Membros da União Europeia. Na sua base, estão as violações aos direitos humanos que têm ocorrido nos últimos anos na Hungria, mas a nova estratégia visa lidar com quaisquer problemas sistémicos de violações de direitos humanos que ocorram em qualquer estado-membro.

Sem prejuízo da bondade subjacente a esta proposta, a estratégia europeia de reação a violações sistémicas a direitos humanos levanta dois problemas melindrosos: por um lado, o de saber se existe — e qual é — a legitimidade democrática das instituições europeias para adotarem políticas de ação contrárias a governos nacionais (suportados por voto popular aparentemente sólido); em segundo lugar, e num horizonte temporal mais longínquo, o de saber quais são as implicações deste caso (húngaro) e destas políticas para o futuro da União, nomeadamente para o seu processo de integração.

Quanto ao primeiro problema, é do próprio Tratado da União Europeia que podemos retirar a legitimidade jurídica da ação da União Europeia. Aliás, é de notar que nele os Estados solenemente proclamam o seu compromisso com os direitos humanos e com os valores democráticos (e que por isso são referidos no artigo 2.º do Tratado), os quais são o resultado do nosso processo coletivo de formação de uma consciência europeia fundada na defesa da dignidade humana. É aqui — precisamente aqui — que radica a outra legitimidade desta ação europeia: a sua legitimidade política, que justifica a prevalência dos valores que regem as democracias europeias sobre a vontade das maiorias nacionais.

Discriminação

Ora, leis que discriminam os próprios cidadãos húngaros em função da sua religião (i.e., os judeus), que dificultam em muito o acesso à Justiça, ou que colocam entraves à sua liberdade naquele Estado são gravemente contrários aos valores que fundam a União Europeia. A reação, hoje, poderá passar pela adoção das medidas previstas no artigo 7.º do Tratado, que podem ir desde a simples admoestação até à suspensão de direitos decorrentes dos Tratados (por exemplo, a suspensão do direito de voto no Conselho). No futuro, poder-se-ão ponderar medidas mais “inteligentes”, que permitam maior eficácia na prevenção de ameaças aos valores europeus. Por enquanto, a integração política e económica continua a ser o melhor instrumento de partilha de valores e prevenção de ameaças.

Mais importantes serão as lições e precedentes do caso húngaro: se estas transgressões passarem incólumes, há o risco de se repetirem violações a valores fundamentais, neste Estado ou noutro; mas se demasiado for feito pela União Europeia — em tempos como o nosso, em que os nacionalismos proliferam —, poderá diminuir a perceção pelos cidadãos de qual seja a legitimidade da União Europeia, tornando-a impotente em situações futuras. A solução terá de ser intermédia, mas ainda está por descobrir.

Sugerir correcção
Comentar