Em 2012, a Double Fine de Tim Schafer anunciou que procurava um investimento de 400 mil dólares para produzir um jogo de “aventura”, um velho género que, aparentemente por conter texto em demasia, nenhum editor arriscava financiar. No final de uma campanha de "crowdfunding" recordista no site Kickstarter, angariou mais de três milhões de dólares com as contribuições de 87 mil pessoas, colocando um forte ponto de interrogação sobre a racionalidade das decisões tomadas na indústria dos videojogos.
O resultado dessa campanha é “Broken Age”, de que a primeira de duas partes está agora disponível. O primeiro "acto" apresenta duas histórias que correm em paralelo. Podemos ajudar Vella a escapar de um rito sacrificial de um planeta desconhecido que consiste na oferenda de raparigas locais para saciar um monstro marinho; ou podemos ajudar Shay, um rapaz que vive só numa nave espacial, a escapar à vigilância de uma espécie de "Hal 9000" maternal e excessivamente protector.
Tim Schafer é um dos grandes desconhecidos do humor contemporâneo. O trabalho que desenvolveu na LucasArts, juntamente com Ron Gilbert, durante a década de 90, num período em que os jogos de “aventura” eram bastante populares, será o mais próximo das avalanches de “gags” da MAD ou das comédias dos irmãos Zucker que os videojogos alcançaram.
“Broken Age” é mais sóbrio que esses clássicos excêntricos. O talento de Tim Schafer como escritor de diálogos humorísticos — como a conversa que temos com uma árvore que despreza a humanidade e os vícios de crueldade desta — permanece e é realçado pela qualidade das interpretações de voz, mas predomina no jogo uma atmosfera de desalento, através de personagens que se acham sós no meio da insanidade geral (um motivo já explorado por Schafer, em “Psychonauts”).
Schafer citou, em entrevista recente ao site Eurogamer, a influência do humor "um tanto triste" de Kurt Vonnegut que criou múltiplos mundos alegóricos, num esforço de conseguir abordar os absurdos e horrores do seu próprio mundo. Não espantaria que as narrativas de “Broken Age” fossem atribuídas ao prolífico escritor de ficção científica Kilgore Trout, personagem de vários romances de Vonnegut. A história de Shay, obrigado a existir num mundo de simulação em que a vigilância é constante, presta-se, sem dificuldade, a ser interpretada como alegoria da ubiquidade das tecnologias de vigilância nas sociedades contemporâneas, para benefício dos vigiados, segundo a presunção corrente. “Broken Age” poderia ter terminado nesta primeira parte que já seria um belo conto moral interactivo para tempos em que o humor, como diz Shafer, a propósito de Vonnegut, deve estar consciente de que “acontecem coisas horríveis às pessoas”.