1. O jogo não definirá a competição
Clive Woodward opinou que este será o “jogo que definirá o torneio”, pressupondo o tropeção francês em Cardiff. A presciência de Sir Clive radica no facto dos avançados gauleses não terem evidenciado capacidade para sufocar o “pack” galês, e na convicção que a vitória inglesa sobre o País de Gales, em Twickenham, é um “fait accompli”. É verdade que o melhor XV galês desde os anos 50 venceu, em 2012 e 2013, uma das piores selecções gaulesas de que há memória, por 16-9 e 16-6, respectivamente. Ainda assim, aposto na vitória dos de Saint André, mais em virtude do momento e menos em função da consistência de jogo. Se a Inglaterra vencer a Irlanda, a partida verdadeiramente decisiva terá sido a de abertura, no Stade de France, onde a Inglaterra entregou um jogo que porventura deveria ter ganho.
2. A Irlanda terá de apresentar novo trunfo
Contra a Nova Zelândia, Joe Schmidt tirou a bola aos “All Blacks”. O pontapé foi cerimonioso, evitando Dagg, Jane e Savea. Contra o País de Gales foi o jogo ao pé que promoveu o sufoco territorial. A Inglaterra será um desafio diferente, com um “pack” que prevalece na colisão e fases estáticas. Será difícil manter um registo disciplinar baixo, porque a recuperação ou atraso da bola Inglesa trará riscos, que, mal medidos, resultam em pontos sofridos. Nowell, May e Brown ocuparão melhor o espaço defensivo, limitando a eficácia do jogo ao pé de Murray e Sexton. E Lancaster saberá deixar os mais influentes em campo até que o resultado esteja seguro. Para vencer a Inglaterra, a Irlanda terá de fazer tudo o que fez contra Gales, e juntar uma de duas: capacidade para concretizar em pontos todos os pontuais deslizes ingleses, como contra os All Blacks; ou mostrar uma capacidade atacante, de perfuração e continuidade entre linhas, que só se vislumbrou a espaços contra a Samoa, em Novembro.
3. Os centros irlandeses decidirão o estilo de jogo
Se a chuva não condicionar, serão os centros irlandeses a ditar o estilo de jogo. Em dois jogos, não registam qualquer quebra de linha, acumulando no total apenas dois “offloads”. Se o fulgor ofensivo de D’Arcy e O’Driscoll é hoje uma memória distante, que Luke Marshall (ainda) não reverteu, as qualidades defensivas permanecem intactas: 37 placagens no torneio, apenas três falhadas e outras tantas recuperações de bola. A dupla será um duro teste à muito elogiada capacidade ofensiva de Twelvetrees, Burrell e Farrel, que, em 2014, apresenta a novidade de jogar na linha de vantagem – a confirmar. É a capacidade de perfurar e interligar o jogo entre centros e terceira linha que sustenta o dinamismo ofensivo inglês, organizado em dois ou três planos de ataque. Os ingleses têm ainda algo a progredir em termos de linhas de corrida, sobretudo as diagonais interiores que fixam defesas ou exploram o ombro fraco do deslizar mais exuberante. Mas Lawes, Wood, Vunipola e Burrell sabem perfurar e jogar nas costas da defesa, obrigando-a a contrair-se, libertando espaços laterais explorados pelos passes de Farrell e Twelvetrees, e pela velocidade do três de trás. Se os centros irlandeses impedirem a dinâmica inglesa, estes limitar-se-ão a jogar com o “pack” e os médios.
4. Suplências distintas
Schmidt deve ter pesadelos com uma eventual lesão de O’Driscoll. Boss, Marshall, Paddy Jackson ou McFadden ainda não mostraram a qualidade ou potencial dos mais experientes titulares. No banco inglês, as escolhas nos três-quartos são questionáveis. Barritt é um “12” puro, sólido, mas que não introduz desequilíbrio no jogo. Goode só pode jogar a “15”. Se Farrell se lesionar, Twelvetrees será adaptado a 10. Em matéria de adaptações, seria preferível que não se verificassem nas posições fundamentais. George Ford, eléctrico, criativo e em grande forma no Bath, seria uma excelente opção para o banco, acompanhado de Anthony Watson, igualmente hábil a ponta ou “15”. Nos últimos 20 minutos, Stuart Lancaster pode lançar Mako Vunipola, Ben Morgan e Dave Attwood, com impacto significativo no jogo. Schmidt terá dificuldade em contrapor cartada equivalente.
5. Graham Rowntree v John Plumtree
Subsiste a ideia que os treinadores no Hemisfério Norte preocupam-se essencialmente com as fases estáticas, ao passo que os seus congéneres do Sul ocupam-se, preferencialmente, da dinâmica. Rowntree, um decano neste torneio, é um “guru” mundial das artes invisíveis da “mêlée”, responsável pela excelência inglesa nas técnicas específicas de avançados. Ao recém-chegado John Plumtree, o neozelandês que levou os Sharks de Durban a três “Currie Cups”, os jogadores apontam (como antes a Gatland ou Hansen) uma atenção quase obsessiva ao processo de decisão no “ruck” – limpar ou proteger a bola?; recuperar a bola ou integrar a linha defensiva? – que reduz o número de faltas cometidas, aumenta a intensidade individual na colisão e perturba a dinâmica do jogo adversário. Que o digam os All Blacks e mais recentemente Gales. Vejamos se o muito melhorado “pack” irlandês de Plumtree, que leva já dois ensaios de “maul”, passa no teste de fogo de Rowntree. A resposta a esta questão ditará o resultado final do jogo.