AkaCorleone: o caos onde nos descobrimos

Em menos de dois meses o artista de rua AkaCorleone preencheu o espaço da galeria Underdogs com as mentes e rotinas caóticas da contemporaneidade na exposição "Find Yourself in Chaos"

Fotogaleria
stick2target.com
Fotogaleria
stick2target.com

Ao entrarmos na Galeria Underdogs (no número 56 da Rua Fernando Palha, em Lisboa), poucos minutos antes de inaugurar a exposição, AkaCorleone ainda percorre agitadamente o espaço, com um ar atarefado e preocupado. Faz os últimos ajustes, rectifica-se de que todas as peças estão perfeitas e no seu lugar. “Nunca estamos satisfeitos com o que temos e fazemos. E não só pelo lado materialista, mas também porque queremos sempre a melhor carreira ou a melhor vida, queremos ser os melhores”.

Foi esta pressão que levou o artista Pedro Campiche, mais conhecido por AkaCorleone, a preparar a exposição "Find Yourself in Chaos" em tempo recorde e a transformar esse mesmo processo no caos que pretende representar.

A tentativa de ser mais e melhor leva-nos a acumular “projectos inacabados, informação e objectos que na verdade não precisamos, mas que sem eles, nos sentimos vazios”. A exposição não assume no entanto um cariz necessariamente negativo. “O materialismo e a ambição fazem naturalmente parte de nós e achei interessante representar essa realidade num plano estético”, disse o artista ao P3.

Foto
Stick2Target

As peças e ilustrações patentes até ao dia 15 de Março na Galeria Underdogs poderiam ser divididas em dois grupos: há peças claramente ligadas a uma dimensão mais materialista dos objectos que acumulamos e pela ideia de que “não temos o suficiente”, e, por outro lado, encontramos também algumas mais introspectivas que retratam a confusão e “o caos da nossa mente e pensamentos”.

Foto
Stick2Target

Convidado em Dezembro pela Galeria Underdogs e pelo artista Vhils a expor o seu trabalho, Pedro Campiche não fazia ideia do tema que poderia abordar: “Tinha vontade de mostrar muitas coisas ao mesmo tempo, muitas técnicas diferentes.” Daí acabou por surgir o próprio conceito da exposição. "Surgiu a vontade de mostrar o caos que eu sinto na minha cabeça e à minha volta, nas pessoas”. A exposição começou a ser pensada e elaborada de raiz mas nem por isso o trabalho sob pressão foi uma dor de cabeça: “Todos os dias tinha uma nova ideia porque todos os dias me atrapalhava com alguma situação. A minha vida era caótica até há dez minutos atrás”.

Foto
Stick2Target

Uma confusão que também é nossa

Identificamos facilmente elementos de pressão (desde o ícone do ‘like’ no Facebook à sinalética associada ao vício do tabagismo). E o artista destaca o caos logo à entrada, quase como que uma assinatura: um acumular de peças de decoração que nos são familiares, mas que se acumulam numa montanha de inutilidades. Gravado por cima desta instalação onde predominam os tons verdes, está o nome da exposição, que se torna imperceptível à medida que nos aproximamos ou que nos deslocamos à volta dela. “Esta é a peça que mais espelha a minha vontade de mostrar as camadas e a sobreposição, a acumulação de informação que fazemos”.

Chamam também à nossa atenção as duas peças que trabalham o conceito de transparência: as camadas de informação transformam-se em camadas de cor. Se como plano de fundo existe uma escala cromática harmoniosa, é acrescentada uma segunda ilustração num tom agressivo que o visitante pode optar por ignorar, através de um filtro de cor em acrílico, que torna visível o primeiro desenho de forma inequívoca. “É a ideia de manipular a informação como se quiser, de se mostrar e de se esconder na ilustração o que se quiser”.

Como vem sendo hábito na Underdogs — uma galeria que, em pouco mais de um ano, já recebeu os trabalhos de artistas de rua de renome como Cyrcle ou MAISMENOS —, o trabalho só ficará completo quando AkaCorlerone iniciar a sua intervenção ao ar livre. Esse elemento extra vai ser trabalhado no início de Março e será a primeira intervenção no espaço Village Underground Lisboa, no Museu da Carris, que vai abrir portas pela primeira vez no próximo dia 9 de Abril.

A confusão e a desorganização de um local composto por autocarros e contentores inactivos é perfeito para o culminar de uma exposição sobre o caos: “Não há melhor superfície do que o caos para representar a confusão, a sobreposição. Não há melhor espaço para transportar a linguagem que tenho nesta exposição para uma parede, para uma escala maior e para um público diferente”.

Sugerir correcção
Comentar