Um ateu não tem de ser um radical, tal como nem todas as religiões são fechadas e estáticas. Ateísmo não é forçosamente oposição a uma determinada religião e, curiosamente, até existem correntes que não o consideram incompatível com o espiritualismo e formas alternativas de crença em deus (ou deuses) — ver “O Fim da Fé”, de Sam Harris.
Diz-se que a existência de deus é impossível de demonstrar. Verdade ou não, no mundo contemporâneo, a existência de um deus activo, “tradicional” de inspiração judaico-cristã, pode parecer algo desenquadrada. Não me atirem já pedras, pois existem certamente muitos crentes capazes de ver provas em todo o lado e para quem a crença é indispensável. No entanto, quando analisamos outros casos de eventos “excepcionais”, a opinião geral tende a mudar. Se hoje alguém relatasse um qualquer prodígio, semelhante àqueles que serviram para justificar divindades, o mais certo seria a ridicularização.
À partida admitimos grande improbabilidade à veracidade dos relatos milagrosos, logo, heuristicamente, concluímos por simplificação serem mentira. Fazemos isso inconscientemente, muito devido a um pragmatismo inato que nos tem ajudado a sobreviver enquanto espécie. Quando penso nestes assuntos lembro-me sempre da comparação de Bertrand Russell: se me disserem que existe um bule em órbitra de Marte eu responderia, devido à ínfima probabilidade de tal ocorrência, que seria mentira, ainda que possa ser verdade pois não é impossível de todo.
Então são as probabilidades que definem a existência ou não de crença? Talvez, estando os radicais nos limites do zero ou do um probabilístico. Um ateu não nega forçosamente deus no geral, refuta apenas o deus teísta — aquele deus (ou deuses) improvável que tudo criou, tudo definiu e tudo continua a controlar, cheio de superpoderes estranhos à nossa realidade mundana de mortais sempre preocupados com as devidas provas científicas.
O ateísmo pode ser muito mais próximo do agnosticismo, sem cair no exemplo utilitarista, de prática incoerente, de Pascal: na dúvida, preferia respeitar os princípios de todas as religiões de modo a garantir que, caso alguma fosse verdadeira, havia sempre um paraíso para onde ir.
O ateísmo não tem de ser o mesmo que “adeismo”, pois não se opõe contra uma definição mais pessoal e espiritual de deus, que pode assumir qualquer forma. Pode ser, por exemplo, apenas a manifestação das leis da física que regem o nosso mundo.
O ateísmo também não é sinónimo de “amoralismo”, pois a moral e a ética não provêm exclusivamente da religião. Qualquer grupo humano pode criar os seus valores e códigos de conduta, desde que exista coerência ética, embora nem todas as pessoas consigam sobreviver sem a muleta moral e motivacional de uma religião.
Assim, o ateísmo pode ser só uma tomada de posição pessoal, justificada por probabilidades, sem radicalismos, semelhante a muitas outras que se tomam na vida. Nem as religiões modernas nem os seus supostos opositores ateus são tão rígidos como alguns nos querem fazer crer. As sociedades contemporâneas são complexas e diversas, vivendo-se, em algumas delas, níveis de liberdade sem precedentes. Então faz sentido, numa sociedade livre, opor ateus a crentes? Talvez não, pois em liberdade, só possível com respeito mútuo e tolerância, simplesmente perde sentido fomentar posições extremas de inflexibilidade.