Variações sobre o jovem pianista Rafael Kyrychenko

Coube-lhe fazer cumprir a tradição de abrir o ciclo de piano na Casa da Música com um “jovem português de reconhecido talento”

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Rafael Kyrychenko só tem 17 anos João Messias/Casa da Música

Só tem 17 anos. A Sala Suggia, da Casa da Música, encheu-se para o ouvir terça-feira à noite. Chama-se Rafael Kyrychenko. A sua relação com a música não podia ser mais íntima. “Não sei se se pode chamar alma ou coração, mas acho que a música pode definir uma pessoa”, diz. Nenhuma o define melhor, nenhuma expressa tanto a sua essência, como “Variações sobre um tema de Corelli”, de Sergei Rachmaninoff.

Faltam-lhe palavras para explicar por que se identifica tanto com aquela peça, que escolheu para encerrar o concerto de terça-feira. Talvez por estar numa idade em que tudo parece tão grande e misterioso. A certa altura, sente-se numa das histórias das mil e uma noites. “Gosto muito de música russa. Tem uma substância muito única.”

Trabalhou longos meses naquele reportório. Arrancou com Domenico Scarlatti (Sonata L33), prosseguiu com Ludwig van Beethoven (Sonata op.57, Appassionata). Após um breve intervalo, recomeçou com Johannes Brahms (Duas rapsódias op.79). Terminou com o seu Sergei Rachmaninoff.

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O pianista nasceu em São Miguel, nos Açores João Messias/Casa da Música

Dir-se-ia que a Sala Suggia estava suspensa no seu dedilhar. O músico sentiu-se embalado a cada aplauso.

Era um momento especial também para o rapaz, que se apresentou todo vestido de preto: por aquela sala passam grandes intérpretes internacionais. No ciclo de piano – que abre sempre com um “jovem português de reconhecido talento” – já várias vezes tocou o lendário pianista Grigori Sokolov. Neste ano, pela primeira vez, recitais a solo de Elisabeth Leonskaja e Valentina Lisitsa.

Rafael Kyrychenko nasceu em 1996, em São Miguel, nos Açores. Com apenas três semanas, foi levado para o Funchal, na Madeira. O seu sobrenome não soa de modo tão estranho na Ucrânia, o país originário dos pais. O pai, o violinista Yuriy Kyrychenko, e a mãe, a pianista Cristina Pliousnina, dão aulas no Conservatório/Escola Profissional das Artes da Madeira, e é lá que ele estuda.

Começou a tocar aos cinco anos, sob orientação da mãe, que ainda agora é sua professora. Admite que ela o tenha influenciado, mas acredita que fez a sua escolha. Nada lhe parece tão capaz de exprimir “o que a pessoa sente, o que a pessoa é” como a música. E nenhum instrumento o apaixona tanto como o piano. Pela “grandiosidade”, mas também pela diversidade de sons. “Posso brincar.”

Só tocava há cinco meses quando ganhou o seu primeiro prémio. Recebeu a primeira distinção internacional aos oito anos, em Palma de Maiorca, Espanha (2005). Desde então, muitas outras vezes foi distinguido – já aconteceu em Portugal, mas também em França, em Chipre, Itália, Estados Unidos, Estónia.

A ilha distancia-o, mas não o afasta do resto do mundo. Está no último ano do curso profissional, que lhe dará equivalência ao 12.º ano. Ambiciona prosseguir os estudos de piano em Bruxelas, na Bélgica. É lá que dois dos pianistas que mais admira dão aulas: Daniel Blumenthal, professor residente no Conservatório Real de Bruxelas, e Maria João Pires, no Music Chapel.

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