Aos 13 anos, Marine Antunes percebeu que tinha cancro quando foi internada em Coimbra e viu que as pessoas com as quais partilhava o espaço não tinham cabelo. “Percebi automaticamente que também ia ficar sem cabelo, foi o grande choque”, conta ao P3, dez anos depois desse momento. Foi-lhe diagnosticado um Linfoma Não-Hodgkin, entre o coraçao e os pulmões. Fez quimio e radioterapia cerca de ano e meio — tempo durante o qual perdeu o cabelo. Lidou com muitas pessoas que não sabiam lidar com uma jovem com cancro. “Um dia ainda me vou rir disto”, pensou — e este é o subtítulo do livro que editou em Novembro de 2013, “Cancro com Humor”.
Inspirado na sua própria experiência — mas sem ser autobiográfico —, o livro foi publicado pela editora Livros de Ontem, após uma campanha de “crowdfunding” na plataforma PPL. Marine conseguiu o valor pedido (dois mil euros) na totalidade e “Cancro com Humor” passou a ser, além de nome de blogue e associação, título de livro. Nele, Marine reuniu algumas das suas crónicas preferidas do blogue, adaptadas, e outras que nunca foram publicadas, num total de 24.
“Tentei que houvesse uma continuidade e que as pessoas sentissem vontade de continuar a ler. Vou apresentando as personagens da minha vida e as várias situações por que passei”, descreve. “A ideia é que os doentes oncológicos se revejam nestes episódios, que achem graça e, se possível, percebam que é possível sorrir no caos.” “Cancro com Humor” está à venda no site da editora e custa 13 euros; um euro reverte para a Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama (APAMCM).
Nunca desvalorizar o doente
Marine, nascida em França e a viver numa aldeia de Ourém, ri-se do cancro que teve e, sobretudo, dos momentos constrangedores que viveu. Nas palestras que tem dado pelo país, em escolas ou associações de doentes oncológicos, a jovem costuma falar daquelas pessoas “que aparecem com páginas da Wikipedia, sublinhadas, com todas as informações sobre o cancro”. “A intenção é que te sintas mais aliviada, mas depois sublinham aquela parte que diz que tens 35% de hipótese de sobreviveres.” Este é apenas um dos episódios que usa para quebrar o gelo quando fala com outros doentes oncológicos. "Nunca tento desvalorizar o doente, é exactamente o contrário, por isso tenho tido a sorte de ter uma compreensão muito grande."
Estava quase a fazer 15 anos quando pôde dizer que tinha vencido o cancro. “É um cliché dizermos isto, mas foi o melhor dia da minha vida.” Com “muito mais dificuldades”, Marine terminou o ensino secundário e foi para a universidade em Coimbra, para estudar comunicação social. Trabalhou numa produtora de comédia, fez um curso de “stand-up comedy” e decidiu criar um blogue. “A minha primeira intenção era escrever um livro. Depois percebi que não funcionava porque a fórmula é chocante e tinha de ser testada.”
No blogue, Marine publica crónicas desde o início de 2013 e o “feedback”, garante, sempre foi positivo — o que lhe permitiu “contactar com as pessoas e ganhar confiança para continuar a escrever”. Ao longo do ano, as coisas foram evoluindo e começou a ser convidada para “palestras humorísticas”, onde adapta os textos. Percebeu que era urgente chegar às pessoas de outra forma e criou a Associação Cancro com Humor, com o objectivo de dinamizar actividades para doentes oncológicos e familiares.
A par de tudo isto, Marine foi ainda convidada para ser parceira numa campanha de sensibilização para o cancro da mama. Com o fotógrafo e designer Filipe Inteiro, convidou várias mulheres a posarem para "muppies" que estão a ser espalhados por Braga, Coimbra e Porto, numa iniciativa que se associou ao movimento Careca Power, também criado por Marine.
Planos para 2014? "Quero realizar-me profissionalmente, claro", responde. "Todo este trabalho que faço é voluntário e quero provar que sou capaz de viver da escrita."