Um dos traços distintivos dos seres humanos é a nossa capacidade de criação. Nenhum outro ser vivo cria como nós. Por isso a criatividade é uma capacidade intelectual fundamental. É graças a ela que temos as invenções, as grandes teorias científicas e a arte.
As nossas escolas ainda fomentam muito pouco a criatividade uma vez que não dão tempo para que ela surja, não a estimulam nem a avaliam. E sem criatividade, a humanidade não tinha saído da idade da pedra e viveria, enfadonhamente, sem o prazer da música, da poesia ou da pintura. Por isso penso que a escola devia dar grande atenção ao talento criativo dos alunos e não limitar-se a avaliar os seus dotes de memória, de lógica e de processamento de informação. Mais a mais, a criatividade é prima do pensamento crítico e sem ambas seríamos meras máquinas computacionais sem sentido (computação por computação, os computadores são muito melhor que nós).
E basta olhar para alguns exemplos da história da humanidade para se perceber que há na criatividade (e nos génios criativos) uma força qualquer transcendente que nos aponta o caminho do futuro, do conhecimento e da felicidade.
Foi Goya, reformado, para o campo. Liberto que estava de ter que pintar retratos da realeza, e tendo como únicas telas as paredes de sua casa, dá um salto quântico de criatividade e faz as lugubremente belas “pinturas negras”. Nesse momento, tornou presente o futuro modernista da pintura.
Prenderam José Afonso. O resultado foi que, vinda de uma qualquer outra dimensão, com uma força cósmica que nenhum betão consegue travar, nasceu, na sua mente, a música e a letra de uma das mais belas canções da música portuguesa “Redondo Vocábulo”, provando que a criatividade não se consegue prender.
Beethoven, pouco antes de morrer, compõe a sua última sonata para piano, a nº32 op. 111. Composta entre 1820 e 1822, há nela uns compassos que parecem ter sido escritos por um descendente de escravos de Nova Orleães, pois que Beethoven, nesses trechos, fez jazz antes dele existir.
E, no campo científico, a verdade é que as grandes teorias da Física surgem da imaginação e criatividade dos génios (tantas vezes com menos de 30 anos) que conseguem perceber o mundo de formas que os outros ainda não conseguiram, tantas vezes sem a possibilidade de verificação contemporânea dessas suas teorias.
Enfim, a lista seria interminável, de exemplos da iluminação criativa que algumas mentes geniais possuem e que são capazes de efectuar esses saltos quânticos no espaço-tempo, como que sendo porta-vozes de uma qualquer verdade universal e intemporal que apenas se vai expressando de formas diversas.
Essa força criativa do potencial humano é indispensável. E os génios criativos são apenas a sua encarnação. Deixemos, então, florescer estas sementes do futuro.