Foi nos apáticos anos 30. Nem áureos nem "desáureos", depois dessa euforia louca dos excitantes anos 20. A Grande Depressão ainda assombrava os cocurutos de ricos, que se viram pobres; de pobres, que menos não ficaram; de nobres, a quem só sobrou os galardões; e de banqueiros, que ficaram sem os tostões. Foi nesses anos 30, de torpe atmosfera, que a para sempre emblemática Pan Am Airways dava os primeiros passos na sua longa história na aviação.
Lembra-se esses tempos com o "glamour" que lhe é obrigatório, materializado nas famosas e estonteantes hospedeiras de bordo, sempre imaculadas na sua farda azul e branca. Elas, as hospedeiras, lindas e esbeltas, eles, os capitães, com o charme característico. Se não estou em erro, deve ter sido por essa altura que nasceu essa mística, que, arrisco-me a afirmar, ainda hoje paira no ar. Mas foi também por esses dias que deve ter florescido aquele preconceito envergonhado, e pouco valorizado, dessas vidas por demais viajadas.
Pela inteligência delas, das hospedeiras, ninguém punha (nem põe) as mãos no fogo; pela dignidade e honra femininas, nem pouco mais ou menos. Ou hão-de ser de fraca cabeça (e metem-se nessa vida porque ela não dá para mais), ou umas festivaleiras até à quinta casa ("if you know what I mean"). Há uma certa dificuldade humana em ligar beleza e inteligência – parecem duas cartas de diferentes baralhos. E uma outra em aceitar que às mulheres também deve ser reservado o direito à vida boémia, se assim lhes der na gana. E, portanto, “elas lá se passeiam loucas em vidas menos apropriadas, e pouco intelectuais, sempre com o 'café, chá ou laranjada' na ponta da língua” – diz o “preconceito”.
E eu cá não me descarto dessa malta “preconceituosa”. Até há bem pouco tempo, tinha essas ideias pouco idílicas do que é ser hospedeira. Pois é, mas o destino trocou-me as voltas, e lá vou eu fazer parte das resmas que agora voam para essa vida. Não me tenho como troca tintas por ter mudado de ideias, só me apercebi, contra minha vontade, que sempre sofri de síndrome da “dor de cotovelo miudinha” (o que pode não ser o vosso caso!). A “dor de cotovelo miudinha” de conhecer outras gentes e outras terras; a “dor de cotovelo miudinha” de ser de todo o lado e de lado nenhum; a “dor de cotovelo miudinha” de viver outras culturas; a “dor de cotovelo miudinha” de sentir todos os dias aquelas borboletas na barriga que já me são familiares sempre que me vejo num aeroporto ou avião.
Hoje, estou feliz por essa “dor de cotovelo miudinha” deixar de ser dor e passar a ser o desejo de, nos próximos três anos da minha vida, ir para lá do “café, chá ou laranjada” a que o “preconceito” obriga. Bom, quanto a isso, e se não me estreei ainda nos ares, aqui já me vou estreando com umas quantas linhas (que espero apreciem!).