Netflix — vale a pena?

Numa declaração recente, Joris Evers, da Netflix, diz que a empresa pretende, eventualmente, chegar a Portugal. Mas quais seriam as vantagens de um Netflix PT?

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Mike Blake/Reuters

A primeira reacção da indústria ao fenómeno da partilha ilegal de ficheiros (quando esta ainda se concentrava principalmente sobre a música) foi partir para o moralismo. “Não façam isso, que prejudicam os artistas”. Isto por vezes acompanhado de ameaças de acção legal que acabavam sempre por atingir alguns bodes expiatórios de pouca relevância. A resposta do público em geral a todos esses apelos, a todos os “não roubarias um carro” e campanhas afins, foi um retumbante "nqs".

Nenhuma das indústrias do entretenimento despiu-se ainda desta retórica moralista. Mas vê-se que adoptaram estratégias diferentes para manterem o seu estatuto. Em vez de apelar à fidelidade do consumidor, decidiram apostar noutro instinto: a preguiça.

Para quê estar horas à espera de um download, ou saltar de site manhoso em site manhoso para tentar encontrar um bom streaming da série favorita, quando por pouco dinheiro podes ter tudo ao teu alcance, imediatamente e de forma legal? É essa a promessa de sites de streaming como o Netflix, equiparável nisto ao Spotify.

A realidade, no entanto, não é assim tão aliciante.

Há algumas vantagens, claro — os preços são acessíveis (oito dólares por mês nos E.U.A., seis libras no Reino Unido), o acesso imediato (e compatível com tablets, consolas, etc.) e, para aqueles poucos que ainda se importam com a qualidade de imagem, a opção HD é bastante frequente. O aspecto em que o serviço falha redondamente, no entanto, é na selecção.

Os filmes e séries disponíveis através do Netflix variam fortemente de país para país (para além de existir em quase todo o continente americano e Reino Unido, o serviço também abrange a Austrália, os países escandinavos e a Holanda), mas o que é consensual — fora dos Estados Unidos, ao menos — é que não estão a dar conta do recado. E não digo isso como cinéfilo que quer consumir a obra completa do Tarkovsky nem nada que se pareça — o Netflix falha em áreas bastante básicas.

Tomemos o site britânico como exemplo. Qual seria o videoclube, por mais rasca que fosse, que não teria nas suas lides filmes como “Jaws”, “Pulp Fiction” ou “Star Wars”, todos inexistentes no Netflix UK? Já nem falo num “Citizen Kane” ou num “Vertigo”, ambos também indisponíveis.

O cenário não fica muito melhor quando passamos para as séries: "Lost", "Walking Dead", "30 Rock", "Community", "Simpsons" e "Family Guy" — eis apenas algumas das séries a que o Netflix UK não dá acesso.

Menciono o exemplo britânico, mas encontram-se queixas semelhantes entre utilizadores um pouco pelo mundo fora. E mesmo para quem se quer dar ao trabalho de, através de certas ferramentas online, aceder aos conteúdos americanos (é fazível), não vai encontrar um paraíso televisivo — a HBO, por exemplo, facilmente a maior fonte de séries de qualidade das últimas décadas, não coloca os seus programas disponíveis no Netflix, porque está a apostar no seu próprio serviço de streaming.

Há quem continue a optar pelas vias ilegais por uma questão de convicção ideológica — para estas pessoas, a discussão nem se coloca. Mas mesmo numa óptica de consumismo egoísta, o Netflix ainda tem muito que andar para competir com as alternativas ilegais; as questões de direitos amordaçam qualquer tentativa de um serviço competente, em solo europeu ao menos.

Afinal de contas, de que serve acesso imediato e HD, se metade das vezes tens que voltar às torrents de qualquer forma?

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