José Saramago disse um dia que “Gonçalo M. Tavares escreve tão bem que dá vontade de lhe bater”. O comentário alarga-se a muitos dos (já não tão) novos escritores portugueses. João Tordo, José Luís Peixoto, Ricardo Adolfo, Afonso Cruz e, obviamente, Valter Hugo Mãe.
Descobri a escrita do Valter Hugo Mãe numa tarde chuvosa de 2010. O "remorso de baltazar serapião" caíra-me no colo sem pré-aviso e, sem mais nem quê, abarbatou-me pelos colarinhos para me largar apenas depois da desfolha da última página. Arrasado com tamanho talento, só me saíram duas palavras: quero mais.
Assim foi. Com a avidez literária que sempre definiu este sujeito que humildemente vos escreve, corri a obra inteira do ex-valter hugo mãe: "o nosso reino", "o apocalipse dos trabalhadores", "a máquina de fazer espanhóis" e a não menor "contabilidade". Meses depois, valter passava a Valter e o estilo das minúsculas passava a equivaler-lhe ao talento: maiúsculo.
Devo ter sido das primeiras pessoas a ler "O Filho de Mil Homens". A obra chegou em pré-lançamento à redacção onde trabalhava então e devorei-o em menos de dois dias. Deliciado, no mínimo.
Acabei de ler há dias "A Desumanização", o livro que considero ser a obra-prima de Valter Hugo Mãe. Pela originalidade do pensamento e das ideias e, acima de tudo, pelo trabalho de transferência de identidade do escritor-pessoa para a violência carinhosa da vida de uma menina islandesa que acaba de perder a irmã gémea.
É graças a este tipo de gente que muitos — como eu — andam viciados em livros. Livros, livros, livros. Não é um gosto, não é um gozo, é uma obsessão. Quase um vício daqueles à séria, como se vêem nos filmes. Só nos falta pormos o relógio antigo ou os sapatos preferidos no prego. Para podermos comprar mais um, só mais um. Para podermos ler as palavras dos magos que tão bem moldam as letras — as poucas 23 letras que conhecemos são capazes das obras mais fascinantes.
Um grande obrigado aos nossos escritores por todos estes prazeres. Em particular ao Valter Hugo Mãe, por ter sido capaz de uma das coisas mais belas que tive o gosto de ler nos últimos anos. Resta-me, então, fazer um pedido: se alguém conhecer o Valter, que lhe faça, por favor, chegar este sincero agradecimento. E este pedido, já agora: não pares, nunca, de escrever.