Amar mata?

Estou para mim que ainda hoje, algures numa sala de urgência de um qualquer hospital, um qualquer médico poderia ter declarado um óbito por amor

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Reuters/Kyodo

Estou a favor da criação de um porta-corações com a seguinte inscrição: amar mata. Qual a funcionalidade desta caixinha? Alertar o dador de amor, deixando-o por sua conta em risco, neste nobre sentimento que se narra a dois mas que se vive a sós consigo mesmo, “cá dentro”. Não há limite de idade para a sua experimentação e os efeitos secundários serão os mesmos num pré-adolescente ou num idoso em fim de vida: esta pode muito bem ser a melhor coisa que já se sentiu em toda a vida.


Acho que devia fazer parte das medidas do Sistema Nacional de Saúde a criação de uma advertência para quem de bom grado está prestes a dar o seu coração a alguém, talvez, sobre a forma de circular ou até mesmo, num comunicado feito pelo Presidente em que este diz que entre as várias medidas de austeridade do país, o amor é uma delas. Mas porque encontro eu a necessidade de tais alertas? Simples: isto do amor é perigoso.


Tem efeitos secundários físicos e psicológicos que nos fazem balançar numa quase perfeita teoria do caos, ora os mais felizes à face da Terra, ora o mais ordinário e infeliz dos seres humanos. Dá-nos alucinações e convence-nos que todos os dias o sol nasce e os pássaros cantam porque temos a quem amar e porque somos amados, sendo as leis da natureza deixadas de lado, pois amor quando é amor é foragido e não responde a nenhum juiz.


Cria dependência e faz de homens e mulheres sensatos seres desnorteados perante o seu "dealer" de amor. E o pior? Quando este se recusa a vender-nos mais do seu amor, mais uma dose, só para hoje, só para agora, para curar as dores, para fazer o coração bater de novo.

Chegados a este ponto somos maus para o negócio pois mostramos aos possíveis consumidores de amor o estado em que se fica quando se experimenta este sentimento, mesmo que num ambiente controlado, só para fins recreativos. E há os amor-dependentes, os que incapazes de viver sem amor se contentam com um amorzinho, que ao invés de uma explosão de "peta-zetas" por todo o corpo se limita a causar o incómodo da picada de um mosquito. Entende-se, não é fácil amar sozinho o que o outro amava em nós.


Até o experimentarmos estamos plenamente convencidos que esta coisa do amor só acontece aos outros. Presunçosos, sentimos que somos mais espertos, mais duros, basta-nos dizer um “não quero brincar mais”. Então porque mata o amor? O amor mata quando leva a uma depressão, a tentativas de suicídio, à noção de que sem o nosso amor a vida perde todo o sentido e falta o ar, o chão, o peito dói e os olhos escorrem-nos pelo rosto em cascata. Estou para mim que ainda hoje, algures numa sala de urgência de um qualquer hospital, um qualquer médico poderia ter declarado um óbito por amor.


Ainda assim, com todos estes riscos e todos estes contras, continua a ser a maior epidemia de todos os tempos, à qual todos nós nos queremos expor em contágio. E eu, que disto do amor nada sei, digo: antes morrer de amor, do que viver uma vida inteira sem sentir que, um dia, quase se morreu.

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