Geração em trânsito

Os que deixam o país falam da nostalgia dos aeroportos, os que deixam as cidades corroem-se com as estações de comboios

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tracX/Flickr

Pertenço à geração em trânsito.

Nascemos "aqui". Trabalhamos "ali". Quando trabalhamos. Porque ainda há os que nascem "aqui" e mesmo que queiram trabalho — "aqui" ou "ali" — não o encontram em lado nenhum.

Pertenço à geração em trânsito porque, para desenharmos aquele futuro que se una à mão do companheiro e se venha a multiplicar em família, precisamos, muito antes disso, de avançar, de dar o passo para lá de nós, para poder vir a sonhar com isso. Precisamos de sair de casa, antes de sequer quase termos emancipação para isso, porque a cidade que nos acolhe o futuro não é a mesma que conhecemos por berço. Precisamos de sair do país, porque o país que nos permite ter pernas para sonhar maior não é o país que vem no canto superior direito do nosso cartão do cidadão.

Somos empurrados — em prol de nós, por nós, porque um dia teremos de ser realmente só nós, autónomos e independentes — a deixar para trás tudo e todos que nos dão — e sempre nos deram — a mão: a família, os amigos, os cheiros a casa. Para trás, ficam os afetos. Será? A palavra parece pequenina, como se não coubesse quase nada dentro das seis letrinhas dela. E, nós, lá vamos, enquanto a mão fica e faz a falta de uma vida. Qual é o preço da saudade, afinal? Não se mede, não tem peso, não ocupa volume. Não é mensurável, tudo leva a crer que é "o menos" mas nunca foi tão maior. Os cheiros a casa — que ridículos que parecemos por sentirmos a falta deles, não é? — esvaem-se na tentativa de um estrugido que nunca vai cheirar igual.

Desdobramo-nos, para lá de nós, para desenhar o futuro. Lá andamos, a pensar em amanhã e a sublimar este presente que —sabemos — nunca vai dar para puxar para trás. Faz parte da emancipação da geração de hoje, dizem. Palavras sábias, mais do que verdadeiras, mas não são elas que nos devolvem o beijo que ficou por dar no dia de aniversário que falhámos e nunca vamos poder compensar. Não tem preço, a saudade. Não se mede, não tem peso, mas ocupa — ai se ocupa, senhores — um volume gigantesco dentro de quem a sente.

Os que deixam o país falam da nostalgia dos aeroportos, os que deixam as cidades corroem-se com as estações de comboios. Pertenço a esta geração em trânsito, em que aeroportos e estações de comboios são lugares comuns e fazem a ponte entre os afetos, quando estes se querem mais do que seis letrinhas juntas.

Algures por entre estas pontes, a geração em trânsito vai desenhando um futuro que nunca mais cresce, vai procurando um caminho que, aos trinta anos, ainda não percebeu bem qual é. Falha cada vez mais em dar a mão ao companheiro e muito menos arrisca em criar a família que tanto sonhou. Se as estações de comboios e os aeroportos — esses lugares comuns da geração em trânsito — engarrafassem por lágrima que cai, talvez, um dia, o país percebesse que afinal a saudade também se mede, também tem peso e ocupa um volume que nunca teve tanto cheiro a casa.

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