Recibos verdes: o meio caminho

Entrou em vigor a lei de combate aos falsos recibos verdes. É altura de dar à ACT a possibilidade de investigar e inspeccionar todos os casos em que o abuso persiste

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Navesh Chitrakar/Reuters

Certo dia tentei explicar a um grupo de amigos de várias nacionalidades os conceitos de recibo verde e de falso recibo verde. Que uma pessoa trabalhava, cumprindo ordens, nas instalações e utilizando os materiais do patrão, mas que ao mesmo tempo era “trabalhadora independente” e única responsável por pagar os seus impostos e contribuições, e que não tinha protecção social em caso de despedimento, desemprego, doença ou gravidez. Tentei explicar. A reacção foi um geral “how is that possible?” ou um “I don´t quite understand.”

Também por cá era incompreensível como, após cada revisão da legislação laboral, não era erigido um sistema de controlo que pudesse dar uma resposta cabal aos milhares de atropelos à lei, que todos os dias acontecem em tantos e tantos locais de trabalho.

Entrou em vigor no passado dia 1 de Setembro a lei de combate aos falsos recibos verdes, cuja discussão e aprovação nasceu da iniciativa legislativa de cidadãos, a Lei Contra a Precariedade (informações aqui e aqui).

Depois de tantos anos de promessas e de proclamações da luta contra os falsos recibos verdes, houve finalmente a proposta, a discussão até à redacção final, que foi aprovada por unanimidade no parlamento.

Há agora a previsão de um processo célere de reconhecimento de uma situação de falso recibo verde em que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e o Ministério Público serão os motores do processo que levará ao reconhecimento (voluntário por parte das empresas, ou judicial) de alguém que seja um falso recibo verde como sendo um trabalhador com contrato. Já não precisa de ser a vítima do abuso a tomar a iniciativa e condenar o seu futuro à pressão e assédio moral dentro da empresa.

Mas este é só um meio caminho. A ACT tem de ser dotada de meios que permitam a investigação séria e apurada de todos estes casos para que uma das maiores vergonhas nacionais tenha, de facto, os dias contados. A ligação entre o Ministério Público e a ACT é também muito importante para este desígnio.

Felizmente, há sinais de que tanto a ACT como o MP estão a trabalhar para a melhor aplicação possível da lei. O falhanço da aplicabilidade da lei, se não houver capacidade inspectiva séria, vai prolongar a morte lenta, o trabalhar para sobreviver, em vez de trabalhar para viver melhor (essa ilusão e luxo a que o povo português tem mania de aspirar), a falta de perspectivas de vida e este estado de infelicidade geral em que nos encontramos.

É altura pois, de assumir responsabilidades, de assumir as consequências da legislação que foi aprovada por unanimidade, e dar à ACT a possibilidade de investigar e inspecionar todos os casos em que o abuso persiste.

Mas ainda assim, este é só um meio caminho. A verdade é que só dará para acreditar quando os falsos recibos verdes sejam coisa do passado. Noutros casos, a opção legislativa continuará a albergar o recurso de forma abusiva ao regime de trabalho temporário (o falso trabalho temporário) quem em demasiados casos se tem transformado numa pura especulação sobre o trabalho realizado por alguém que não tem outra opção senão submeter-se às ofertas que lhe vão sendo feitas, pelo simples motivo de que, entre ter pão na mesa ou rejeitar uma situação laboral indigna, a escolha terá sempre de ser ter pão na mesa.

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