Paredes de Coura não é um amor de Verão

O festival, acima do mais do mesmo que os rivais prometem, tem sido uma daquelas universidades da vida que proporciona um ponto de encontro aos seguidores de uma mesma disciplina

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Paulo Pimenta

Decorria 2004 (ou 2005?) e “Funeral”, primeiro longa duração dos canadianos Arcade Fire, acercava-se pela primeira vez dos meus ouvidos. Aquele conjunto de dez canções não deixava margem para dúvidas; estávamos perante um dos discos que marcaria a década e iria definir toda uma geração a despontar para a música no coração dos 00’s. Eu, que até então não consumia música da forma como o faço desde então, não seria excepção.

Clichés à parte ("DIAL-A-CLICHÉ"), a minha estreia no Festival Paredes de Coura foi precisamente em 2005, e, justamente, para ver os canadianos. E embora nos dias que correm o Parque da Cidade do Porto, enquanto anfitrião do Primavera Sound, se comece a perfilar como um sério rival ao conceito de anfiteatro natural, a verde colina que se ergue sobre o Taboão continua a ser o primeiro amor, aquela com um lugar reservado no coração e que faz o mesmo pulsar com a mesma intensidade da primeira vez. Todos os relatos acerca da “epifania” que foi o concerto Arcade Fire serão claramente exagerados, mas, em boa verdade, volvidos oito anos, ainda não houve um espectáculo tão arrebatador como aquele que acontecia naquele quente final de tarde de 17 de Agosto de 2005.

Mas nem só da celebração do indie rock dos canadianos se fez a melhor edição de sempre do festival; houve uns DFA1979, bem ao início da tarde, que diziam “ena, tanta gente com sapatilhas Puma calçadas”, ao que eu e a minha companhia, como tantos outros, olhávamos para os pés e víamos que ambos trazíamos a marca alemã calçada; uns Pixies que apresentavam os seus maiores êxitos de forma assombrosa (e de uma forma que não mais veremos); um senhor Nick Cave a cantar/pregar “God is in the House” (um dos momentos mais bonitos do festival); uns The National, ainda “pequeninos”, ainda alcoólicos, a actuar com o sol bem lá no alto; um David Eugene Edwards, enquanto Woven Hand, repescado ao palco "songwriters" em substituição dos Killing Joke; o regresso dos Queens of Stone Age; o tornozelo partido/torcido em Kaiser Chiefs; e, também memorável, as cervejas e caipirões ingeridos ao som de uns Bravery ou de uns Foo Fighters que me entediavam de morte — continuam a fazê-lo em 2013.

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A pulseira de 2005 era de cor preta — “era”, não resistiu ao tempo

De coração cheio e findo o festival, não me apeteceu ver livre da pulseira. Era de cor preta. Sim, “era”, não resistiu ao tempo (nem ao álcool). Seguiram-se outras. “Demasiadas”, é o que me dizem diariamente.

No meu pulso direito podem encontrar pulseiras que representam momentos tão marcantes como ver o meu ídolo maior, Morrissey, cantar “Life is a Pigsty" sob chuva copiosa (ah, o drama da meteorologia a pairar as terras minhotas) e eu(zinho), desprevenido, a aguentar de forma estóica só em t-shirt — nem pensar em arredar pé —, até ele eventualmente abandonar o palco deixando “Panic” por terminar. Outros pedaços de pano vão-me lembrar o já falecido Lux Interior a dar tudo com os seus Cramps; as duas maiores instituições do underground americano, Dinosaur Jr. e Sonic Youth, no mesmo ano; Jarvis Cocker a humedecer a franja feminina do certame, quer a solo, quer com os reunidos Pulp; os Mogwai a rasgar aplausos perante “uma plateia” que os havia assobiado anos antes; "crowd surf" alcoolizado durante a festa rija protagonizada pelas dez pessoas que conheciam os Deer Tick antes de serem anunciados. Ah, e porque também da música portuguesa rezará a história: os Linda Martini a tocar durante a tarde perante uma plateia como nunca se havia visto à mesma hora; os Mão Morta a superarem-se a cada passagem; os Ornatos Violeta a ouvirem as suas canções entoadas em uníssono por um verde a abarrotar pelas costuras.

E o festival, acima do mais do mesmo que os rivais prometem, tem sido uma daquelas universidades da vida que proporciona um ponto de encontro aos seguidores de uma mesma disciplina. Quanto às pulseiras, um destes dias vou acabar por ceder e cortá-las (talvez em pedacinhos pequenos, como na canção); as recordações serão apagadas da epiderme, é certo, mas as experiências nunca desaparecerão da pele.

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