O recente episódio protagonizado pelo primeiro-ministro da Noruega, Jens Stoltenberg, que se disfarçou de taxista com o alegado (já explico o alegado) intuito de saber a opinião dos eleitores provocou reacções curiosas um pouco por todo o mundo, sobretudo o mundo da “silly season”. A cena teve um primeiro impacto interessante e terá deixado muito boa gente a pensar: “Eh pá!, estes nórdicos são do caneco; fazem ver aos engravatados que andam em brutos carros e só querem saber do Zé Povo na altura dos votinhos”. Bem, não foram exactamente estas as palavras, mas a ideia foi esta. Ou parecida.
Acontece que a coisa deu para o torto. Pelos relatos que surgiram pouco depois, esta descida ao mundo real por parte de Stoltenberg teve, afinal, algumas coroas norueguesas como apoio. É que alguns dos “utentes” do táxi governamental terão recebido dinheiro a troco de manifestarem a sua (deles) surpresa. “É o Stoltenberg?”, diz um eleitor. “Parece-se com ele… Talvez os olhos?”, dizem duas jovens.
A explicação do “alegado” intuito: o que foi verdadeiro (os clientes que queriam mesmo ir daqui até ali) ou o que foi encenado (os “contratados”) dificilmente se saberá, o que retira todo o crédito ao número de Stoltenberg. E terá deixado muito boa gente de boca aberta. Não apenas pela encenação em si, como também pela fuga de informação que deixou a nu a ineficácia dos assessores de imagem de Stoltenberg. Explico: se era para fazer de conta, todo o processo devia ter sido fechado a sete chaves e ao qual só uns poucos (e bem identificados) assessores do primeiro-ministro da Noruega teriam acesso. Porquê? Quanto mais classificada for a informação, mais responsabilidade acarreta.
Este infeliz episódio de mau trabalho dos serviços de assessoria do primeiro-ministro norueguês servirá de lição para os homólogos de todo o mundo. Isto porque, o que muitas vezes parece espontâneo – em que os jornalistas “apanham circunstancialmente” o político para uma declaração – é, tem de ser, preparado ao pormenor. E não se pense que esta atitude é executada apenas pelos grandes partidos: é transversal, da esquerda à direita, praticamente sem excepção. As excepções são para os amadores.
Desde o cenário em que determinada figura pública vai ficar enquadrada (e falo aqui com especial incidência nas televisões, mas não só), até à roupa que leva vestida, passando por quem está atrás dele (ou não), tudo tem de obedecer a um planeamento rigoroso, calculista e com, pelo menos, um plano B. É desta forma que a mensagem que se pretende transmitir às pessoas pode ser eficaz e compensar as muitas horas de estudo, de concepção dos cenários e dos discursos. Caso contrário, aquilo que começou por ser uma boa ideia, corre o risco de se transformar num verdadeiro desastre. Como foi o caso do taxista Jens Stoltenberg.
Imaginem o que seria descobrir que, por exemplo, o líder de uma influente organização de defesa do Ambiente, afinal, não fazia a separação do lixo doméstico. Lá se ia o crédito às malvas. No caso de Stoltenberg, e depois desta encenação falhada, só resta desejar-lhe boa sorte e dar-lhe um muito português “bacalhau”. É que, apesar de ser pessoalmente muito popular nas sondagens, a coligação de esquerda que lidera anda pelas ruas da amargura. E não me parece que seja com cenas de mau teatro que recupere pontos…