O telemóvel toca. Estamos em Fevereiro ou Março de 2012. Atende Gui Castro Felga, arquitecta feita ilustradora, feita “artivista”. Do outro lado, Miguel Portas, economista, eurodeputado, fundador do Bloco de Esquerda (BE), partido em que Gui milita desde 1999. Uma conversa “curta”, uma proposta em aberto, conta a própria ao P3. Objectivo: redesenhar o novo site do BE Internacional para mostrar que, de Portugal a Bruxelas, “não há um caminho descomunal”; que o Parlamento Europeu (PE) “não está longe”.
Portas acabaria por falecer pouco depois. Gui continuou a desenhar sem nunca, como escreveu no seu blogue, poder perguntar “se era isto o que ele queria”. “Isto” é o tal site do BE Internacional, online há pouco mais de um mês, em que uma cidade ilustrada tem prédios (como todas as outras), árvores (como todas as outras), pessoas e uma manifestação (também como todas as outras). Ali há uma placa onde se lê “Miguel Portas was is here”.
Durante um ano, o site foi feito a oito mãos (sem contar com a equipa técnica), cada par no seu país, através de reuniões no Google Hangouts, onde, aliás, esta entrevista teve lugar. Foi assim que aprenderam a trabalhar no “backoffice” do site. Gui, 30 anos, a partir do Porto; Zé Nuno e Ana Catarino, 44 e 36 anos, em Amesterdão, primeiro “amigos do Miguel” e só depois simpatizantes do BE; Cláudia Oliveira, 40 anos, assessora de imprensa do partido no Parlamento Europeu, em Bruxelas. Uma “task force” que nunca reuniu fisicamente e concluiu o que começou em separado graças à “insistência” de Marisa Matias, chefe da delegação bloquista. Todos tratam agora de alimentar o site, juntamente com, claro, a também eurodeputada Alda Sousa, José Goulão e Ricardo Sá Ferreira.
Um site político ilustrado
Um site ilustrado já é algo atrevido e raro; ainda mais se estamos a falar de um partido político. O portal anterior não era suficientemente “digerível”, descreve Gui. “Estava lá a informação toda, mas reduzia-se um bocado às intervenções no PE e havia pouco a noção que se podem contactar as pessoas.” Por isso, e porque as pessoas “têm mais medo dos poderes que não são escrutinados a nível público”, quiseram fazer o contrário.
Aproximar as pessoas do PE, e em particular os jovens, é o objectivo. “Ao longo dos tempos", começa Cláudia, "criou-se muito essa ideia de Bruxelas como um papão que não dá boas notícias”. “Mas essa Bruxelas", adverte, "é a Comissão Europeia e o Conselho Europeu". "É preciso que as pessoas compreendam que o PE ainda é um espaço com que elas podem interagir, onde os deputados estão a exercer um mandato em seu nome.”
Nada mais simbólico, por isso, que um “passeio pela cidade”. A palavra “política vem de pólis”, de cidade. O portal é, pois, a concretização de uma “vontade de pôr a política” na rua, numa “altura em que há muita pressão” nas praças de todo o mundo, descreve Gui. E, num mundo repleto de influências, não terá sido indiferente o facto de Miguel Portas ter sido criado por um urbanista [o arquitecto Nuno Portas] e de ser apaixonado por viagens.
“É um site diferente, arriscado”, comenta Zé Nuno, responsável pelo audiovisual. A começar no “scroll” horizontal que percorre a cidade e a acabar nos menus-prédios pintados de amarelo. Tal como todas as cidades, esta também muda quando muda de cenário. Ora chove num dia, ora há protestos noutro. O certo é que não estará sossegada e de sorrisos em riste. Feliz?
"Nunca estará feliz - nunca", reage Gui: “Enquanto houver miséria não há paz.” “Se calhar, os motivos poderão ser outros, mas a rua será sempre das pessoas”, concorda Cláudia. “O ser humano é demasiado complexo para que isso seja tão permanente", conclui Ana. Nesta cidade, idílica, a política está na rua.