Eles estão a percorrer Espanha a pé por um emprego
Não têm dinheiro no bolso, arranjam trabalhos pelo caminho e filmam o documentário "Hay que andar". David e Txetxu procuram uma alternativa ao desemprego — porque é importante não parar
Começaram três, restam dois. Em inícios de Abril, os galegos David Correa, Txetxu (Sergio) González e Alejo Rodríguez saíram de A Guarda, em Pontevedra, de mochila às costas e câmara de filmar à frente. Objectivo: percorrer Espanha a pé, sem dinheiro no bolso, arranjando trabalhos pelo caminho e realizar o documentário (“docu-reality web”) “Hay que andar”. Segundas intenções: reivindicar um espaço para os jovens que, face à crise, se vêem obrigados a emigrar.
“Somos a representação da juventude espanhola que está desesperada porque não encontra emprego depois de tantos anos de estudo. É uma pena que tanto dinheiro investido em educação vá agora para outros países.” São jovens, como os de cá, com o mesmo discurso que os de cá. Segundo dados do Eurostat anunciados no final de Maio, Grécia, Espanha e Portugal são os países da União Europeia onde há a maior percentagem de população jovem desempregada: do outro lado da fronteira, a taxa subiu para 56,4 % em Abril.
Mais de 1700 quilómetros depois, mais de 60 dias depois, 17 vídeos depois, os três são agora dois. Alejo, que se ocuparia da realização, lesionou-se e teve de abandonar o percurso ainda nas Astúrias, podendo vir a integrar a última etapa. Por estes dias, estão em Murcia, a meio da 7.ª, e penúltima, etapa. Guiam-nos o Twitter e o Facebook do projecto “Hay que andar”, onde vão colocando sucessivos apelos de ajuda, alojamento e trabalho.
“O mais importante agora é mesmo acabar o quanto antes porque entre os quilos perdidos e a pressão psicológica da carga de trabalho estamos a destruir a nossa saúde, mas não o nosso sorriso”, confessam David e Txetxu, em declarações enviadas por e-mail ao P3. Com 23 e 24 anos, respectivamente, são licenciados na área de comunicação audiovisual. Não escondem que fazer da aventura uma websérie é uma forma de “tentar encontrar trabalho no sector”.
Antes de se porem a caminho, pediram 1000 euros numa plataforma de “crowdfunding” para material como sacos-cama, mochilas e um microfone. Tiveram 1065 euros, fora o patrocínio de uma marca de roupa desportiva. Querem assim provar que com pouco material também se podem fazer “muitas coisas”. “Hoje em dia, a democratização dos meios faz com que miúdos como nós, sem recursos, possam fazer um produto interessante.” Atenção dos média espanhóis, pelo menos, têm tido, e os episódios já estão a ser transmitidos no canal V Televisión do jornal “La Voz de Galicia”.
Não esperar pelo governo
Ainda faltam muitos e muitos quilómetros até Barcelona, a meta. Cinco de Junho, a data prevista, já lá vai. Têm feito "um pouco de tudo". Em Marinadela, trabalharam a troco de comida e estiveram vários dias sem dormir sob um tecto. Em Sevilha, limparam cristais e distribuiram "flyers" em troca de bicicletas para uma etapa do percurso. Já limparam albergues e hotéis, fizeram um spot publicitário, entregaram publicidade de um tatuador, deram uma mãozinha a "grafitters".
Porém, “cada vez está mais complicado”, admitem. “Estamos num ponto crítico da viagem.” O calor “aperta” e na Andaluzia ainda se sentem mais a crise e o desemprego. “Percebe-se no ambiente que conseguir um trabalho hoje em dia não está ao alcance de qualquer um.”
Tudo isto para quê? “Evidentemente que esperamos encontrar um alternativa ao desemprego jovem, um trabalho que nos permita viver.” No final de contas, há que andar, “hay que andar”, não parar. “Os jovens são activos, mas a falta de oportunidades desanima.” David e Txetxu apontam o dedo aos governos: “Não podemos permitir que a crise, resultado da má gestão da classe política, acabe com os desejos dos jovens.” Até porque esta geração tem “mais formação do que nunca”, seja em Espanha, seja em Portugal.
Também lá o palavrão empreendedorismo está na ordem do dia. “Os jovens são atraídos para um lote de ajudas de novas iniciativas que nunca se realizam.” Por isso, decidiram pôr-se ao caminho e agarrar outras possibilidades, conselho que também querem transmitir aos jovens portugueses, mesmo que “não seja um caminho fácil”. “Não vale a pena esperar que um governo ou um macromecenas nos dê uma oportunidade. Provavelmente, nunca houve uma geração com tanta formação em Espanha e, paradoxalmente, tantos desempregados. É uma vergonha.”