O melhor amigo do homem não é o cão, é o Twitter

O Twitter tornou-se o meu jornal da manhã, imune aos dedos humedecidos para virar a página. Foi ali que me tornei um predador do directo

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heatherbuckley/Flickr

Há uma coisa que não desejo a ninguém: papeira. A ninguém não, talvez excluísse desse universo aquele aniversariante que, uma vez por ano, nos convida para aquela festa em que não conhecemos ninguém. Pensem nisso, nos problemas que não se resolveriam se o surto se cruzasse com o dia da festa. Pensem naquela meia hora de circunstância com os outros convidados, naquele sem-número de investidas a espiar o relógio e, até, no quão interesseiros nos tornamos quando, por falta de mais opções, fazemos grupinho à parte com o cão da casa.

Pois foi exactamente a uma dessas festas que fui parar. Pior. Não havia cão. Enquanto houve aperitivos, sobrevivi. Entre gargalhadas bem ensaiadas, fingi ser entendido no tema que balanceava a cavaqueira: golfe. Devia ter ido para actor, pensei. Com a noite, a nitidez da conversa foi-se dissolvendo no cansaço, qual som granulado de um "western spaghetti" à antiga. Derrotado nesta romaria de desespero, pedi a password do Wi-Fi ao culpado de ali estar. Acedi pelo telemóvel, vi o e-mail, o Facebook, ganhei 5 iPhones e… descobri o Twitter. 

Era a segunda festa da noite. Desta vez, uma para a qual nem sequer tinha sido convidado. Senti-me a mais. Usavam arrobas e cardinais, eram monossilábicos, seguia-se pessoas, aceitava-se coisas de estranhos. Onde é que me vim meter?

Uma semana depois já não vivia sem aquilo. Foi no ecrã de quatro polegadas do meu telemóvel que passei a acompanhar o Mundo desde então. Informatiquês à parte, o Twitter tornou-se o meu jornal da manhã, imune aos dedos humedecidos para virar a página. Foi ali que me tornei um predador do directo. Foi onde gritei golo no Euro. Onde vi o abraço do Obama à Michelle. O salto do Felix. A onda do McNamara. O fumo branco. O Gangnam Style. Até a mala da Pêpa. Enquanto isso, convidavam-me para eventos. Facebook estás à escuta?

Hoje, é no Twitter que recebo a minha injecção diária de cultura. Foi lá que também passei a consultar o desporto, outrora refém dos graves nasalados dos comentadores. É onde dreno a minha música. Onde percebi a guitarra de um Norberto Lobo, com o seu Mel Azul. Onde, mais tarde, vi uma Impala nomeá-lo um dos melhores discos de 2012. Foi onde me falaram de um "Amour", o mesmo que o Twitter me contou que concorria ao Oscar, o mesmo onde entra uma Rita Blanco, a mesma que é de um país onde, disse o Twitter, mandaram fechar 49 salas de cinema.

O Twitter é onde procuro e onde encontro. São as minhas páginas amarelas. É o sítio que me levou ao sítio. Foi onde, tutoriais à parte, aprendi a dar o nó à gravata. Onde, até, um seu vizinho ali infiltrado, o Instagram, me vai inundando o quotidiano com sushi e crepes alheios. E sempre fotogénicos, apre! Mas até aí, foi bom. Era a documentação oficial que me faltava para provar lá em casa que as despensas dos outros são melhores que a nossa.

Tanto, e em tão pouco: 140 caracteres. Ao princípio pode custar, ter de decapitar um prefixo ou despromover um “que” a “q” para empacotar tudo num tweet. Com o tempo, entra-se no jogo, que quem lá anda trata as coisas por tu, sem os dribles do português arcaico. É também por essa falta de cerimónia que às vezes se torna polémico. Metam-lhe ao barulho a política, os clubismos ou um simples “primeiro o leite ou os cereais?”, e pode dar que falar.

A certeza de que se fala de tudo, e quase sempre bem, justifica esse risco. Há sempre tema, e se não houver, fala-se do estado do tempo, como se fosse mais uma conversa de elevador, que em vez de limite de peso tem limite de caracteres. 

Faz quase um ano que o descobri. A festa a que pensei escapar com uma simulada dor de cabeça. Nessa noite, o melhor amigo do Homem não foi o cão. Foi o Twitter.

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