Daniel Rodrigues: “Há muito talento que acaba no supermercado”
Premiado no World Press Photo, o jovem fotógrafo aceitou o desafio do P3 — deixou-se fotografar por nós. E percebemos que "há muitos Daniel Rodrigues em Portugal"
Aconteceu no dia 15 de Fevereiro, mas Daniel Rodrigues ainda não respirou. Na manhã em que soube que tinha ganho um prémio World Press Photo a sua vida mudou. Tem muitas chamadas não atendidas, muitas entrevistas dadas — The New York Times na lista de espera —, uma máquina nova, algumas propostas de trabalho e a certeza de que "há muitos Daniel Rodrigues em Portugal", muito talento desperdiçado que termina no supermercado. Aproveitamos a deixa e iniciamos uma série de vídeos com pessoas que contrariam o discurso de que temos de viver abaixo das nossas possibilidades. Desta vez, desafiámos Daniel Rodrigues a deixar-se fotografar pelo fotojornalista Paulo Pimenta.
Começaste a carreira pelo ponto alto. E agora?
Tenho um projecto de um mês e meio com a Câmara Municipal de Lisboa. Depois, vou estar cinco dias na Guiné para melhorar o meu trabalho e vou apresentá-lo, mais tarde, em Amesterdão. Vamos ver se se abrem portas no estrangeiro.
O prémio foi anunciado há duas semanas. Já tiveste tempo para respirar?
Ainda não. À noite, ponho o telefone em silêncio porque não pára. Não sei quantas entrevistas já dei. The New York Times já me contactou e uma revista francesa também. A minha história tem despertado a atenção sobretudo porque estou desempregado, o que me deixa um pouco frustrado. Quero ser visto como o vencedor do World Press Photo, quero ser avaliado pelo meu valor e pelo meu trabalho, não como o coitadinho que está desempregado. Há muitas entrevistas em que nem me perguntam pela fotografia vencedora, só me falam do desemprego e do material que vendi...
Achas que o momento que vivemos levou a história por esse caminho?
Acho que sim. Há muitos “Daniel Rodrigues” em Portugal. Espero ser um exemplo para que as pessoas não desistam e lutem pelos sonhos. Em Portugal, há muitas pessoas com talento que acabam a trabalhar num supermercado. É importante não desistir. Um dia antes de vencer o prémio, estava muito em baixo, nunca me passaria pela cabeça que a minha vida, na manhã seguinte, ia mudar completamente. Já estava decidido a tentar arranjar emprego em qualquer área, para voltar a comprar material e a fotografar. Eu ainda sou pequeno, na fotografia. Há nomes como Paulo Pimenta, Alfredo Cunha, Leonel de Castro ou Rui Oliveira, que, para além de serem meus amigos, são grandes talentos, os melhores fotógrafos de Portugal, muito melhores do que eu. Fotógrafos como eles já mereciam dez prémios World Press Photo...
Já és reconhecido na rua?
Só fui reconhecido num hotel e espero continuar a passar despercebido. Quero continuar do lado de cá da objectiva. Sou a mesma pessoa.
Estava prevista uma viagem à Guiné, no dia 7 de Março. Tiveste de alterar os planos.
Queria ir à Guiné, mas o trabalho está primeiro. Vou fazer tudo para ir em Novembro.
O que te fascina no trabalho humanitário?
O que se recebe. Aquelas pessoas não têm nada e são tão felizes. Chegamos lá com uma bola de futebol ou com uns óculos de sol e recebemos sorrisos. Isso muda a forma de ver o mundo e a maneira de ser. Houve uma situação que me marcou. À saída de uma discoteca, havia crianças a vender alguns doces e eu comprei um. Só tinha uma nota e o miúdo não tinha troco: propus-lhe ficar com a nota, ele ofereceu-me o doce. Disse que ficava chateado se eu não aceitasse. Eles não têm nada, mas são capazes de ter gestos destes.
És um apaixonado por África?
Muita gente tem medo de África, mas poucas são as pessoas que conheço que, tendo visitado África, não gostaram de lá estar e não querem lá voltar. É contagiante. É um mundo completamente diferente. Tive oportunidade de conhecer Marrocos, passei pelo Saara, conheci a Mauritânia, o Senegal, a Guiné e o Mali. Cada país tem a sua identidade. É importante termos consciência de que não podemos mudar a vida e os hábitos das pessoas, apenas podemos ajudar.
A fotografia vai abrindo essas portas?
É isso que quero fazer e se fosse em África seria fantástico. Há muita coisa que se pode fazer lá. Adorava conjugar as duas coisas: as missões humanitárias e o fotojornalismo.