Chão e folhas, paisagem triste. Chão cinzento e sujo. E pegajoso, no exacto momento em que António pisou aquele resto de pastilha elástica. Não deu por ela, apenas o sapato o deu. E não gostou. As folhas secas de Outono estalavam como castanhas. Incrivelmente, eram castanhas como as próprias castanhas.
António não gostava daquele barulho. Nem de pisar folhas. Os seus esforços por evitá-lo eram inúteis, porque, atrás dele, seguia um homem que fazia um esforço para que todas as folhas estalassem. Era como se fosse um concurso, entre o homem e as folhas. O homem ganhava sempre. António estava a perder. Inclusivamente, a paciência.
Quando atravessou a estrada, reparou no homem que estacionava o carro, a muito custo. Dez manobras, estacionamento incompleto, uma roda em cima do passeio. O homem saiu do carro e conferiu a posição. “Impecável”, pensou, para não assumir a vergonha por aquele insulto à condução. António pensou que a sua vida era como aquele estacionamento: muitas manobras e nada feito como devia ser.
A sua vida estava quase tão desarrumada como a bolsa da senhora que seguia à sua frente. Até notas soltas existiam lá dentro. E não eram notas escritas, daquelas com pinta, eram notas como a de vinte euros, que a senhora deixou cair.
António reparou na queda da nota e apanhou-a. Assim que lhe tocou, sentiu uma dúvida: devolvê-la-ia? Pensou no assunto, por breves instantes. Lembrou-se do facto, quase irrelevante, de aquela senhora ser sua directora. Enquanto pensava nestas questões, tirou a carteira do bolso do casaco e guardou a nota. Estava decidido: não a iria devolver.
Passou o dia vinte euros mais sorridente. À noite, regressava a casa, no metro. Um homem deu-lhe um encontrão. Era um carteirista que iria para casa vinte euros mais feliz.
