O Serafim era o faz-tudo, naquela empresa. Tanto mudava uma lâmpada, como entregava correio, ao mesmo tempo que sabia tudo o que se passava nos corredores. Era uma espécie de registo não oficial e reservado: tinha acesso à informação, através das conversas secretas, e guardava-a para si.
Os seus dias começavam bem cedo e acabavam tarde. A directora gostava de dizer que era a primeira a chegar e a última a sair, mas essa era uma afirmação para entrevistas. Era o Serafim quem podia dizê-lo com propriedade.
Naquela manhã, estava no seu posto, a passear entre as notícias do jornal, aproveitando um dos momentos calmos do seu dia. Saídos de uma reunião, os administradores da empresa passaram pelo local, a caminho do elevador. O Serafim cumprimentou-os, esforçando-se por ocultar que estava a ler o jornal. Não foi bem sucedido, mas agira com a naturalidade possível.
Os administradores fingiram não ter ouvido, continuando envoltos por conversas, telefones e “tablets”. Não pretendiam falar com um funcionário sem qualquer importância. O administrador mais velho, de quem se dizia ser forjado pela educação de outros tempos, ficou a falar com o Serafim.
O som da chegada do elevador precipitou o fim da conversa. Os administradores entraram, apressados. A viagem pareceu mais curta, mas não foi uma ilusão: o elevador parou a meio do caminho, devido a uma avaria.
O Serafim, que lia uma notícia sobre um macaco que completou, com a ajuda de blocos de brincar, versos de Shakespeare, foi interrompido, pelo som do alarme do elevador.
Pegou num guarda-chuva e numa vassoura, e desceu até ao andar onde se encontrava o elevador. Com a ponta do guarda-chuva, abriu a porta, com a vassoura, completou o processo. Ajudou os administradores a saírem, um por um. O mais velho agradeceu. Os outros não foram a tempo. O Serafim virou as costas e subiu as escadas, a assobiar. Tinha o jornal para ler.