Morar em Delft: a cidade de Vermeer aos olhos de Márcio Rodrigues, estudante de 23 anos
A arquitetura levou-o até a Suécia e fê-lo assentar nos Países Baixos. Diz que viver fora está a ser enriquecedor a todos os níveis. Sobre Portugal, de momento, diz não ter condições para um desenvolvimento pessoal e profissional
O Márcio entrou em contato comigo há uns meses atrás a propósito desta rubrica. Desde então que temos vindo a trocar impressões em conversas “virtuais”. Apercebi-me de imediato que era um jovem com iniciativa e que não tinha qualquer problema em auto promover-se. Aliás, e se pensarmos bem, nos dias que correm esta é uma característica fundamental para quem quer singrar na sua área profissional: dar-se a conhecer, insistir e nunca desistir. Aproveitar todas as oportunidades.
O Márcio parece ser uma dessas pessoas e como tal tem andado de um lado para o outro em busca do seu lugar. Deixou Portugal rumo ao norte da Europa e agora assentou arraiais na Holanda. Pelo meio descobri que temos em comum duas cidades: Porto e Gotemburgo. Estudamos e vivemos em ambas e têm sido motivo de conversas pontuais. E agradáveis ao ponto de me terem levado a escrever esta crónica.
Mas quem é o Márcio? É um jovem natural de Arcos de Valdevez e que passou pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, faculdade onde apresentará a sua dissertação de mestrado dentro em breve. Entretanto mudou-se para Gotemburgo onde estudou, ao abrigo do programa Erasmus, na Chalmers Tekniska Högskola. E por lá ficou durante um ano chegando mesmo a apresentar a cadeira de “Architectural Competitions”. No entanto, quando estava prestes a regressar a Portugal, recebeu uma proposta de trabalho na Mecanoo Architecten, em Delft, Holanda. E é onde tem estado a residir nos últimos 7 meses.
Nesta nova fase da sua vida o Márcio não só prepara a Prova Final de Dissertação para a conclusão do seu Mestrado, orientada pelo arquiteto Manuel Graça Dias, “e que incidirá sobre a Arquitetura Holandesa”, diz ele, como ainda integra uma equipa responsável pela parte arquitetónica de um centro cultural com perto de 25 000 m2 na Noruega. Nada mal para um jovem estagiário em início de carreira.
Quando o medieval e o moderno se cruzam
Delft é sobejamente conhecida pela sua típica cerâmica azul e por ser a terra natal do pintor Johannes Vermeer. Também pelos canais que a atravessam e, já mais recentemente, pela Delft University of Technology que tem sido elemento fundamental no desenvolvimento da cidade, tanto cultural como social. Algo que o Márcio confirma.
“O ambiente encontrado é agradável e pitoresco, numa mistura entre o medieval e as inevitáveis consequências da globalização. As lojas das grandes marcas contrastam com vendas de rua e a grande praça central com as suas estreitas travessas e os bucólicos canais.
Sendo uma cidade repleta de aspetos antagónicos a vida pacata também contrasta com a fulgurante vida universitária. Na minha opinião, esta diversidade traz riqueza à cidade”, realça.
E a riqueza que ele mais aprecia em Delft encontra-se no mercado local, todas as quintas-feiras, “onde se vendem produtos locais, entre eles, um peixe frito típico e muito saboroso chamado “lekkerbekje” e as bolachas “stroopwafel”, recheadas de mel e que são deliciosas”. Mas também a “presença constante da bicicleta, que transmite uma sensação de limpeza e faz com que as pessoas pareçam mais saudáveis”, salienta. Agrada-lhe ainda os canais, os diversos museus espalhados pela cidade e a proximidade com Roterdão ou Amesterdão. Menos agradável é “a escala da cidade” que “equiparada à da dinâmica urbana acaba por se tornar um pouco monótona ao fim de alguns meses”, confessa.
Sobre a sociedade local diz que se caracteriza pela “sua amabilidade, disponibilidade e compromisso. Mas apresentam uma característica muito peculiar, que nunca tinha experienciado: são extremamente desligados emocionalmente”, refere. A explicação que lhe deram é que pretendem transmitir uma imagem de dureza, como se nada os afetasse. “O nível de envolvimento social é muito diferente do português. São mais reservados”, aponta.
E de Portugal sente falta de muita coisa, como os amigos, a família e, por “estranho que possa parecer, conduzir”, destaca. Compreensível. No norte da Europa, por esta altura, não é muito agradável circular nas ruas de bicicleta com tanta neve, gelo e frio.
Sobre o futuro a única certeza que tem é o de querer “continuar a experimentar coisas novas e conhecer outras formas de pensar e fazer arquitetura”. Portugal seria sempre a sua prioridade “caso se verificassem condições de desenvolvimento pessoal e profissional. Neste momento não me parece ser o caso”, conclui.
A terminar, e questionado sobre o atual cenário de migração, o Márcio tem uma visão positiva: “Prefiro vê-lo como uma alternativa e um momento para encarar novas oportunidades. Mais do que nunca, agora é necessário pensar para além das convencionalidades e não ter receio do desconhecido”. Não podia estar mais de acordo com ele.
Esta crónica é escrita ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.