Uma andorinha não faz a Primavera, mas basta a música para o Primavera Club
Guimarães 2012 recebeu o primeiro dia do Festival Optimus Primavera Club com frio, mas alma quente. Este sábado, a procissão musical continua, mas há tempo para quase tudo
Guimarães ainda recupera do início das festas Nicolinas — há gorros vermelhos nas montras e relatos sussurados pós-ressaca sobre o cortejo do Pinheiro — e eis que o surreal furacão descolorado Ariel Pink assola, sem aviso, terras vimaranenses. De fato de treino, entre concertos e cigarros; de "skinny jeans" rosa e azuis, em cima do palco, acompanhado pelos seus Haunted Graffiti e por aquele inexplicável charme com que desfia hinos como "Only In My Dreams" do mais recente "Mature Themes". Sem aviso, como quem diz: há que saber para o que se vai, com gosto. Ariel Pink é sempre Ariel Pink, "cocktail" de emoções, de danças contorcionistas, de sons (ensaios de "Love Me Do", dos Beatles, quase-memórias de 8-bit) e, pelo menos neste concerto, de imagens projectadas (dos "home videos" ao assustador efeito "morphing", que aqui transforma Julianne Moore numa das Olsen). Estamos num lugar feliz de melodias orelhudas. Está mesmo frio lá fora?
Está. Testemunham as fotografias dos cachecóis, gorros e luvas, dissimulados no CAE São Mamede, que tanto nos valeram na caminhada desde o Centro Cultural Vila Flor (CCVF). Há um cheirinho da outra Primavera, ainda assim, e para além da música: aqui e ali, chegam ecos do País Basco, Galiza, Barcelona. E não só. Uns protegem-se do frio com vodka, outros, como um casal catalão, com beijinhos, bem agarradinhos.
O dia-feito-noite (ou não fosse já Outono) arrancou no Pequeno Auditório do CCVF com a portuguesa Emmy Curl e, depois, Lemonade, com umas quantas pessoas a ficarem do lado de fora, vítimas da lotação limitada neste espaço e também de um festival esgotado. Mais tarde, no (devemos dizer muito-grande) Auditório, uma Sharon Van Etten com menos fantasmas negros não chegou a ter casa repleta. Ela murmura, imita vozes, deslumbra, tal como a banda, ao entrar logo de rompante no aclamado "Tramp". "You're f#@&&! gorgeous", alguém lhe grita. Ela brinca, estilo "gangster": "I-tóght-da-portuguese-uére-polaite." E ri.
Pulsos a rodar, um suspiro, cadeiras a recolher. Não é o outro Primavera, com concertos totalmente em simultâneo, mas Destroyer está prestes a começar. Vão-se abrindo as portas ("só se pode sair no final das músicas", repete quem as guarda), descem-se as escadas e cá fora há que descoser, de novo, os cachecóis, casacos, luvas. Descer a rua, não escorregar na calçada, protestar contra o frio, virar à direita, procurar bilhetes (mostrar à entrada e à saída, tal como para marcar o ponto). Entrar na infelizmente-às-vezes-tão-desconhecida sala do São Mamede mesmo a tempo de Destroyer, concerto total, com um inicialmente introspectivo Dan Bejar, a provar por que é que "Kaputt" foi um dos melhores discos de 2011. Um dos grandes momentos da primeira noite, uma máquina exímia ao vivo.
E eis que, tal como chegou, termina Ariel Pink, sofregamente, num embaraço de noise e feedback. Não era um furacão? Machinedrum e os DJ Rashad & Spinn fecham a primeira noite, já quente. Este sábado há mais Optimus Primavera Club, com Swans, do mítico Michael Gira, Tinariwen (há rock no Sahara) e, nos portugueses, Tropa Macaca e B Fachada, a apresentar o novo "Criôlo". No domingo, cabe a Cats on Fire e The Vaccines a missão de fechar o festival. Há ainda novas travessias, com a Plataforma das Artes e da Criatividade a formar um novo triângulo de procissão — quem sabe, um dia, tradição? — cultural. Especulemos. Tivessem as Nicolinas começado assim...