"As Vantagens de Ser Invisível": a adolescência é um drama?
O filme tem duas partes distintas. A primeira é particularmente emocional, ao passo que a segunda é mais negra e frustrante
Charlie, o personagem principal de "As Vantagens de Ser Invisível", intrepretado por Logan Lerman, é um leitor cumpulsivo dos clássicos da literatura sugeridos pelo seu professor de inglês (a lista completa está na página da Wikipédia dedicada ao filme).
Stephen Chbosky, realizador e autor do romance com o mesmo nome, que adaptou ao cinema, encontrou na literatura e na música o fio condutor deste seu segundo filme. O problema é que esta associação é um cliché, pois todos sabemos que a música é um instrumento essencial na expressão dos adolescentes, embora se trate de um cliché inevitável na representação de um grupo de jovens que tenta sobreviver ao liceu.
Assim, os livros e as músicas de Charlie (Logan Lerman) acabam por pautar, ao longo do filme, o ritmo do seu próprio crescimento e da sua sobrevivência num ambiente que lhe parece ser hostil.
E, depois, vêm os amigos. Aquele grupo de novas pessoas que, simplesmente o compreende, acolhe e o deixa ser quem ele quer ser. Começamos a ver Charlie abrir a porta e mostrar quem é verdadeiramente, com o prazer de ser acolhido por pessoas que o compreendem. Emma Watson diz-lhe: “Welcome to the Island of misfit toys”.
Este começa por ser um filme sobre o liceu, sobre adolescentes e sobre grupos e aceitação social e progride de uma forma assustadoramente discreta para um drama triste em que todas as razões para serem "misfits" ("nerds", "freaks", "tonos", desajustados, excluídos) são negras, tristes e perturbadoras.
Duas partes distintas
O filme tem duas partes distintas. A primeira é particularmente emocional — Charlie é alguém com gostos e visões diferentes, Sam (Emma Watson) é só a rapariga gira e misteriosa por quem ele se apaixona, e Patrick (ou “Nothing”) apenas o melhor amigo "gay" que entra com a parte da comédia negra —, ao passo que, infelizmente, a segunda é mais negra e frustrante. Isto porque as consequências pós-traumáticas dos personagens vão-se sobrepondo no final e essa é a parte mais frágil do filme.
Ainda na primeira parte, o realizador — Chbosky é um dos produtores de "Juno", um filme cujo estilo se assemelha ao de "As Vantagens de Ser Invisível" — escolheu uma cena numa sala de aula em que o professor de inglês se apercebe da inteligência e capacidade de Charlie sem que os seus colegas se apercebam que ele é assim. Os adolescentes têm esta característica intrínseca e que é, no fundo, uma essencial ferramenta para sobreviverem: não sabem nada e fazem tudo quase por instinto.
E é por isto que, quando, por vezes, surge um miúdo que, efectivamente, vê as coisas e vê as pessoas e se apercebe do que se passa à sua volta, este dom é repagado com insultos ou gozo. O amigo de Charlie e Sam, Patrick diz-lhe: “Vês as coisas e compreendes, és uma 'wallflower'”.
Nesta fase, quase tudo indica que estamos apenas a espreitar a vida de um grupo de adolescentes, a penetrar nas suas mentes, a compreender a necessidade que têm de ir às festas certas, com as pessoas certas, a ver como a percepção de quem é “fixe” é flutuante e, simultaneamente, tão rígida e severa. Mesmo as drogas, as dinâmicas familiares extra-amigos, o "bullying" na escola, tudo está harmoniosamente combinado num "insight" original sobre a vida de um grupo de jovens diferentes e os seus dilemas.
E, depois, chega a segunda parte que, não estragando nem destruindo, torna o filme negro, triste e frustrante, num lento desmoronar da identidade sensível e talentosa de Charlie, que se transforma num miúdo perturbado e traumatizado, sugerindo os traumas da infância (não só do Charlie) como a causa dos males do mundo.
Charlie volta ao hospital psiquiátrico no final do filme para recuperar, precisamente, dos danos que os traumas de infância ainda infligem e é aí que nos apercebemos, com a montagem de muitos pormenores ao longo do filme, da enorme cortina negra que está na base desta história.
Charlie termina com uma frase das primeiras cenas: "We are infinite" - a sensação gelante e explosiva que nos atravessa ao longo do liceu.