Carta em tons violeta

As melodias inesquecíveis, as letras irrepetíveis e todos nós a cantar (milhares a uma só voz)! Obrigado Ornatos Violeta

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1998. Era estudante de Economia. Uma noite, na Faculdade, uma festa e uns convidados musicais. Primeiro cá fora, à espera que as portas abrissem (apenas se ouvia, dentro, os sons de um ensaio…). Depois as portas abriram e entrámos: todo o átrio central dedicado ao evento: o fepstreet… Uma tradição da FEP: bebidas com preço flutuante ao longo da noite, em função da oferta e da procura, qual praça bolsista!

Música forte, o amianto do chão e os estudantes que chegavam e iam enchendo o espaço. Gente divertida (distraída?) com o sobe e desce das bebidas e com a música que um dj qualquer pusera a soar. No canto esquerdo do átrio, junto às escadas, bem lá no fundo, ouviam-se também uns sons misturados, abafados e ecoantes: os convidados musicais estavam a tocar. Eu estava longe, entre as gentes, e não conhecia a banda (nem sabia o seu nome). Ainda olhei para a esquerda… Meia dúzia de estudantes à frente de um palco improvisado... Não liguei. A meio da noite cruzei-me com um colega que trazia um CD na mão. O que é isso? É o CD dos gajos que estiveram a tocar.

São fixes. Olhei para o CD: vermelho com uns desenhos a preto e alguém a gritar “Cão!”. Voltei a não ligar. Dessa noite ficou-me a experiência daquela festa, a emoção de um namoro que estava ainda a começar e nada mais. Passados uns tempos ouço na rádio uma música e sei que quis ouvi-la outra vez. Quem são estes?

Outra vez na rádio, apanhei a música e decorei a letra: “Agora, mata-me outra vez!”. Quem são estes? Na rádio não disseram quem eram… Mas quis saber quem eram. Fui às lojas de discos perguntar: uma música que anda a passar na rádio, com o refrão “agora, mata-me outra vez”… Ah! Isso são os Ornatos! Aqui tem o CD. Ele dá-me para a mão um disco vermelho com uns desenhos a preto e alguém a gritar “Cão!”… A partir desse dia, nunca mais vos esqueci: Ornatos Violeta! Ouvi-vos nas rádios, nas aparelhagens e no carro, vi-vos na televisão, li-vos nas entrevistas. E ao “vivo e a cores” com o “Cão” no Hard Club (o original) e com o “Monstro” na queima (nós somos teus amigos!). De uma banda desconhecida passaram para o estrelato mediático, com direito a epíteto de melhor banda rock portuguesa! Mas tudo passou tão depressa… Nessa noite de queima ironizaram com o vosso fim. Passadas umas semanas os jornais anunciavam o vosso fim… Só dois álbuns (e já um americano a cantar em português), uma legião de fãs e um crédito na crítica mais do que merecido.

O facto é que tinham mesmo chegado ao fim. E ficou um travo amargo na boca de todos nós e aquela sensação de uma morte prematura… Mas estávamos longe do final da história e um culto tinha já tido tempo de nascer! Eu nunca mais vos perdi de vista. Estive no Hard Club (ainda em Gaia, com o Douro a acompanhar), com o Manel e o Peixe, e Pluto a bombar e, depois, com o Nuno, e “Nuno e Nico (e vivam os RWMS)” a destrocar, e com o Manel e os Supernada (anda sempre alguém à vossa procura!). Ainda os Supernada, em Serralves, madrugada em festa… Depois ainda, Manel, no Theatro Circo, Foge Foge Bandido (mas nós lá te apanhámos!). Nunca vos esperei, nunca pedi um autógrafo nos discos…

Não tenho vocação de “groupie” mas são a minha banda portuguesa favorita! Não sou crítico musical nem tenho que vos analisar… O que sei é que quando ouço os acordes da “Chaga” (ou de tantas outras…) a minha boca não consigo cerrar por força do sorriso que tem que se instalar! Depois o corpo começa a vibrar, as pernas, os braços, a cabeça sem parar, e é entrar na viagem dos riffs da guitarra, da voz a ecoar e das batidas a pulsar… Sei que não havia a vossa música antes de vocês e que nunca mais houve depois de acabarem…

Esta terça-feira estive convosco no Coliseu. Porto. 2012. Valeu a pena acreditar! Juntaram-se outra vez, por uns instantes, para que o culto pudesse celebrar. E o corpo voltou a vibrar, a memória a trasbordar, as emoções a latejar! Continuava tudo lá: a voz, a energia, a harmonia. As melodias inesquecíveis, as letras irrepetíveis e todos nós a cantar (milhares a uma só voz)! Obrigado pelo momento e mais um episódio para proclamar que o vosso culto jamais terminará! De volta a casa, com os sentidos cansados e com a felicidade que sempre sucede aos bons momentos, tinha um pensamento a ressoar: ouvi dizer que o nosso amor não acabou e que uma chaga ficou para lembrar que esta ligação nunca vai ter fim!

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