Tão cedo os americanos não esquecem a morte do seu embaixador, na Líbia, e os vários ataques que se seguiram. Soa-lhes a traição e raiva.
Tem-se dito que, na origem das revoltas, parece estado um filme, "Innocence of Muslims", realizado por Sam Bacile, um promotor imobiliário israelo-americano, de 54 anos, que comentou as recentes manifestações no Cairo, dizendo ao "Wall Street Journal", que "o Islão é um cancro"... Ora, esta “justificação” soa, a muitos, a pretexto. Podia ter sido qualquer outra coisa… Mas, pergunto, porquê estes ataques se o filme não foi produzido nem distribuído a mando do Governo americano?
O ódio anti-americano ainda se faz sentir, escondido debaixo da superfície de uma aparente gratidão. Em linguagem economicista, a atitude geral do mundo árabe em relação aos EUA é de inelasticidade. Aliás, segundo os mais entendidos, parece que aumentou durante o mandato Obama. Em parte, é uma raiva legítima e herdada, baseada em factos que, verdadeiramente, aconteceram e que ficaram na memória dos povos que ainda hoje sofrem as consequências.
Os argelinos ainda se lembram do ano de 1991, quando uma transição democrática estava para ocorrer e foi abortada por um golpe militar, suportado pelo Ocidente, que despoletou a dramática guerra civil. Claro, os iranianos ainda não esqueceram o ano de 1953, quando o primeiro-ministro democraticamente eleito foi deposto por um golpe de Estado patrocinado pela CIA. Por outro lado, a maioria do mundo árabe acredita piamente que os atentados do 11 de Setembro foram provocados pelos EUA ou por Israel.
Mas, na verdade, esta linha de pensamento soa-me a armadilha fácil e rude. É uma manobra de diversão. Estes ataques são realmente uma medida da raiva e frustração na vida diária do cidadão comum nesses países. Sim, os EUA, geralmente, são impopulares em todo o mundo muçulmano, mas, como qualquer oficial de uma embaixada americana pode afirmar, praticamente todos os nacionais desses países que podem pagar a taxa de visto para os EUA fazem-no.
É muito fácil esquecer que estes são países onde a pobreza e a corrupção permanecem em níveis elevadíssimos. Isto apesar de a "Primavera Árabe", que o cidadão médio desesperadamente esperava (até agora, em vão), e que ia trazer uma maré de prosperidade.
Temos de ter inteligência emocional para perceber que, quando um povo está desesperado, mal alimentado, infeliz e se sente insultado no seu coração (neste caso, o Islão), a galvanização para o protesto compreende-se melhor. Até porque esse protesto é contra algo que já é “tradição” – é uma táctica propagandística de alguns regimes repressivos (como o Paquistão) do Médio Oriente imputar aos EUA uma teoria da conspiração contra eles. Trata-se de uma espécie de “transferência” de comportamento cultural.