“Construsons” do lixo ao luxo poético

O escultor sonoro João Oliveira exibe “5ª Sound”, uma instalação com galinhas e um teclado musical, e ainda uma performance com chávenas, nas esplanadas do centro histórico de Guimarães

A capoeira é composta por um teclado coberto de milho, com o qual as aves interagem Luís Pedro de Castro
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A capoeira é composta por um teclado coberto de milho, com o qual as aves interagem Luís Pedro de Castro
João Ricardo de Barros Oliveira DR
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João Ricardo de Barros Oliveira DR

O som, a energia e o diálogo por um lado, a parabólica, a macrobióptica e a Polaroid, por outro. Esta é a “vida ouvida” do escultor plástico sonoro João Ricardo de Barros Oliveira, um homem “casado com o som e contra o divórcio sonoro”, assim se define a ele próprio.

Desde simples elementos da natureza, como cactos ou galhos de árvore, aos objectos de metal, como batedeiras, balanças ou garfos, tudo é possível de ser transformado numa escultura sonora, nas mãos de João Oliveira.

É o caso de um galinheiro amplificado, na Horta Pedagógica, em Guimarães, composto por um teclado musical suspenso e coberto de milho. O esgravatar das galinhas e dos galos e o som que produzem ao comer o milho nas teclas do piano, dão forma ao laboratório vivo de sonoridades, designado de 5ª SOUND. Também em Guimarães, o artista exibe a performance CHÁ:VENA, uma orquestra de sons com peças de loiça, nas esplanadas do centro da cidade.

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O escultor sonoro na mais recente instalação, 5ª Sound, na Horta Pedagógica, em Guimarães Luís Pedro de Castro

Com a ajuda de parafusos, porcas e anilhas, os objectos são adaptados e trabalhados para a construção do som, aquilo a que chama, a "construsom", um trocadilho que utiliza com frequência. "Há o entusiasmo, há o objecto e há a criação de diálogos entre esse objecto, e a partir daí começa a construção, desconstrução, mutação, rotação”, explica o artista.

O processo criativo da escultura sonora contempla três fases: a parabólica, o "observador observado", ou seja, a observação do objecto; a macrobióptica - fazer zoom ao objecto; e por fim, a captura imediatista do objecto, através da Polaroid que depois é levada para o laboratório para dar início ao trabalho. É um processo "ouver", ver, ouvir, ouvir, ver, explica João Oliveira.

Viela Sentada, um texto de João Oliveira, sobre a cidade de Guimarães

Mas apesar da muita “inspirasom”, durante a criação, há sempre uma "insatisfasom" no processo criativo, admite o escultor. “Estou sempre à procura do som perdido que ainda não encontrei e espero não encontrar”, admite.

"Deixo-me levar pelas correntes sonoras, pelas sonoridades mal criadas", pelos "sons indefinidos, definidos dentro deles próprios”. “Mas eu sei exactamente aquilo que quero quando estou mesmo naquele momento naquela criação e naquela sonoridade”. "Há todo o levantamento e canalização para o som, a canalizasom".

Um artista sem “manual de instruções”

"Desde miúdo sempre tive uma paixão pelo som", recorda. "Eu vivia ali perto da praia e já tinha interesse nos pequenos objectos que vinham do mar nos meus passeios higiénicos”, conta.

Natural de Viana do Castelo mas a viver em Berlim, João Oliveira relembra as “sonoridades deambulantes” dos pingos de água das caleiras rotas da cidade natal e o som dos varredores nas ruas.

“O mundo, para mim, é uma ópera de sons”, revela. Sem formação académica, João Oliveira chegou a tocar saxofone tenor numa academia, em Berlim. Mas foi expulso “porque tocava aspirador”, explica.

“Eu sou um artista sem manual de instruções, sem detector de passagem”, salienta.

Quanto às influências musicais, João Oliveira divide-se entre a harmonia e a paixão presente no trabalho do músico brasileiro, Hermeto Pascoal, e o rigor e a disciplina de Miles Davis, a quem, inclusivé, dedicou uma escultura em forma de garfo-bicicleta, o “Miles Davis Respect”.

“É a obra, a construção, gosto do que faço, sinto-me completamente feliz do que faço”, remata.

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