O azulejo tradicional reinventado por artistas contemporâneos
Em cerâmica, papel, stencil ou pixelart. O formato e a técnica utilizada variam, a essência não
Decoram interiores e cobrem fachadas das vilas e cidades portuguesas. Fazem parte da história e da cultura do país e têm sido capazes de adaptar-se às circunstâncias. Ao longo dos séculos, a paleta de cores tem mudado, o design também, mas os azulejos continuam a ser azulejos. E a absorver tendências.
Aplicações em stencil, utilização de pixéis, ilustrações contemporâneas mescladas com fabrico artesanal. O formato e a técnica utilizada variam, a essência não. E a arte urbana tem sido o exemplo mais fiel desta reconfiguração de genes. Para os artesãos do século XXI, o presente é o que menos pesa. Interessa-lhes, sobretudo, abordar o azulejo com respeito pelo passado e com os olhos no horizonte.
Atarefado com o Walk & Talk Açores, Target, autor do site Stick2Target, encontrou tempo para falar com o P3 a propósito dos azulejos como elemento de arte de rua. "Como em todas as vertentes artísticas, surgem revivalismos que tentam trazer algo novo e reinventar técnicas antigas para os dias de hoje", assinala. “[Se antes] a azulejaria portuguesa era algo confinado aos artesãos e mestres da ilustração em azulejo, hoje vemos nascer novos trabalhos aliados aos movimentos contemporâneos e técnicas digitais", continua.
Seguimos essa pista e encontrámos Diogo Machado. O artista plástico de 32 anos reinterpreta a linguagem visual dos padrões de azulejaria (maioritariamente portugueses) e cria uma nova imagem a partir do seu universo gráfico. Monstrinhos, robots ou ilustrações contemporâneas que constroem uma dupla leitura: ao longe não se vê mais do que um padrão tradicional, ao perto descobrem-se elementos "não convencionais”.
Utilizado no interior e exterior de edifícios, por vezes associado a zonas de águas, o azulejo é de longa durabilidade, tem um baixo custo e protege o espaço da rápida degradação. Mas, para Diogo, esta é uma visão redutora. "Desde sempre o azulejo se manteve como um veículo da arte portuguesa. Interessa-me o que era e o que pode vir a ser, não o que é agora", observa o designer que gosta de criar “novos pormenores nas localidades”.
Um encontro de quadrados
Sensivelmente com a mesma linha de pensamento trabalha Tiago Tejo, ou melhor, Pixelejo. Apesar de não ser a sua actividade principal, dedica uma boa parte do tempo a produzir padrões para azulejo com a técnica de pixelart. O que têm os dois universos em comum? "Ambos são compostos por quadrados. Um quadrado simples não é nada, mas todos juntos formam alguma coisa", descreve.
Não lhe interessa a cerâmica e, por isso, resolveu utilizar o método mais simples: o papel. Redesenha e, por vezes, cria os próprios azulejos em frente ao computador. A decisão de aliar o tradicional ao contemporâneo surgiu em 2008 e, desde então, Pixelejo continua a ser convidado para mostrar os seus trabalhos: "Aprendi bastante sobre a arte do azulejo, sobre a sua versatilidade e também sobre arte de rua. O azulejo que se faz hoje em dia, em Portugal, é óptimo".
Os ladrões de azulejos
Do papel passamos para o stencil e chegamos a Maria D'almada, que reparou nos "buracos dos edifícios" deixados pelo tempo e "pelos ladrões de azulejos" e percebeu que era a oportunidade ideal para recorrer a uma técnica que bem conhece. Copia o azulejo de uma parede inacabada, recorta-o em stencil e utiliza-o para preencher "essas falhas". Sempre a preto e branco. "Para que seja visto por quem não está habituado a reparar nas paredes", explica.
“Apercebi-me de que este património é único, mas está em permanente risco”, justifica, quando se tenta perceber como tudo começou. ”Os azulejos que desaparecem dos edifícios surgem, mais tarde, à venda nos mercados de antiguidades", complementa. Mas esse não é o único destino que lhes está reservado. Em papel, stencil ou cerâmica, a verdade é que os azulejos, em todas as suas variantes, já saltaram do mundo real em direcção ao iPad.