Quando a televisão surgiu, havia um forte interesse em torná-la um meio educacional, uma alternativa civilizada à selvajaria do cinema. De facto, muita da programação criada durante os anos 50 situa-se entre o pedagógico e o elitista — as peças de teatro filmadas incluídas na caixa “The Golden Age Of Television”, lançada pela Criterion, dão alguma ideia das ambições nutridas pela caixinha nos seus primeiros anos.
Com o passar das décadas esta função foi-se dilatando. Em parte por causa do fim da monocultura, do desabar de um consenso acerca do que é Arte e Cultura e Valor; maioritariamente, no entanto, por questões de lucro. A ideia nunca desvaneceu por completo, é certo — a função pedagógica continua a ser ao menos um assunto de discussão na programação infantil — mas conseguimos libertar-nos da atitude paternalista patente nas origens da televisão (se o actual niilismo é uma alternativa melhor será assunto para outra crónica).
Um resquício desta função educacional que se foi mantendo vivo (no espaço anglo-americano, ao menos) é o anúncio de serviço público, pequenos clipes criados para alertar o público acerca de assuntos problemáticos. Nos EUA, os exemplos mais icónicos serão a estrela “the more you know” da NBC e o índio com a lágrima no olho que lamentava a poluição durante os anos 70.
No Reino Unido, por sua vez, um país em que a função educacional era tão levada a sério que até “Dr.Who” teve de começar por incluir enredos com romanos e astecas para convencer a BBC de que estava a ensinar história aos meninos, os anúncios deste tipo são... completamente cegos.
É uma parada de horrores, a começar pelo famoso “Charley Says”. Esta série de animações, destinadas a prevenir acidentes mostrando as desventuras de um gato, tem um sabor grotesco a "outsider art". A amadoresca voz infantil da narração torna ainda mais traumatizantes os desastres em que o felino se mete. “O Charley diz que agora sabe que é perigoso mexer na toalha de mesa porque a água quente do bule magoou-o muito”, diz o estranho rapaz sentado ao pé do gato mutilado num dos episódios mais fantasmagóricos (à esquerda).
Mas Charley é apenas a ponta do icebergue. “Lonely Water” vai beber à mesma fonte de terror bucólico aproveitada por clássicos como “The Wicker Man” e “The Devil Rides Out”: “só um parvo ignoraria um sinal destes” murmura o Espírito da Água, enquanto a câmara foca um sinal de “proibido nadar”, “mas nasce um parvo cada minuto”. E mesmo quando é derrotado no final, despede-se com um “I’ll be back”, mais de uma década antes de Schwarzenegger adoptar a frase.
A obra-prima do género será talvez “Apaches” (à esquerda), um épico de vinte e cinco minutos em que um grupo de crianças brinca aos índios numa quinta, com consequências desastrosas. O ambiente tristonho e cinzento da província inglesa serve como pano-de-fundo perfeito para o sádico desenrolar da acção, enquanto que a brincadeira practicada pelos meninos fornece alguns toques de "spaghetti western". Na minha experiência pop-cultural, a única obra gravada durante os anos 70 que tem uma incidência comparável de mortes infantis é o filme de terror “Quién puede matar a un niño?” (1976).
Estes filmes são relíquias de um tempo em que a subtileza e a instrução não se misturavam. Mas são também pérolas de terror para qualquer espectador com gosto pelo macabro.