Morar em Milão: a cidade vista por Isnaba Miranda, uma artista portuguesa de 28 anos

Isnaba Miranda vive há sete anos em Milão, onde se dedica à formação teatral e produção vídeo em contextos marginais. Fundou uma associação cultural e não pensa em regressar

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Todos nós, de longe a longe, fazemos uma retrospectiva das nossas vidas. Olha-se para trás no tempo e faz-se uma espécie de análise do rumo que levou. E queremos sempre acreditar que se tomaram as decisões acertadas. Quem tem a certeza de que as suas foram correctas é Isnaba Miranda, 28 anos, que encontrou em Milão o local ideal para se desenvolver tanto intelectual como profissionalmente. Fundou em 2008, com alguns amigos, a Associação Cultural Materiali Scenici e o resultado tem sido positivo.

A primeira vez que esteve em Milão foi em 2003 ao abrigo do programa Erasmus. Mas Isnaba foi uma estudante “atípica". "Acabei por me relacionar muito mais com italianos do que com outros estudantes Erasmus, quer por questões de trabalho, quer por afinidade de interesses”, conta. Talvez por isso mesmo tenha regressado dois anos mais tarde, desta vez para participar num projecto europeu e com uma bolsa Leonardo da Vinci. “Pensei que ficaria apenas por um ano. Mas ainda cá estou e hoje é a cidade que melhor responde às minhas necessidades, tanto emocionais como profissionais”, diz Isnaba.

Isnaba licenciou-se em Estudos Teatrais pela Universidade de Évora, onde também obteve o grau de mestre em Dramaturgia e Encenação, e é precisamente nestas áreas que desenvolve a sua actividade profissional. Na Materiali Scenici, Isnaba e restantes colegas ocupam-se “principalmente de formação teatral e produção video em contextos marginais, como estabelecimentos prisionais, comunidades de recuperação de toxicodependentes e centros de acolhimento para menores, entre outros. Basicamente desenvolvemos projectos de dramaturgia de comunidade, organizamos festivais de música e investigação teorico-prática sobre performance social dirigida a um determinado grupo num contexto específico”, esclarece.

E é uma actividade economicamente viável. “Quando deixei Portugal nada disto era possível. Experiências de teatro social ou performance social eram rapidamente confundidas com serviço social e não com empreendedorismo jovem. Felizmente encontrei aqui uma outra visão e hoje posso dizer que faço o que gosto”, desabafa.

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Isnaba fundou, em 2008, com alguns amigos, a Associação Cultural Materiali Scenici

Milão: uma cidade “pouco” italiana

De acordo com Isnaba, Milão está longe de ser uma cidade típica italiana, tal como aquelas a que nos habituamos a ver nos filmes de Fellini. “É uma cidade industrial, cinzenta, que organiza o próprio calendário e vida celebrativa à volta dos eventos do mobiliário, design e moda. Lembro-me de pensar que ia ser muito difícil viver aqui, numa cidade sem mar, sem rio, com pouca luz, com tanta neve durante o Inverno e um calor impossível e húmido durante o Verão. No entanto, acabou por se revelar uma cidade familiar, com mercados semanais, com tantas iniciativas culturais, com transportes públicos que funcionam, com pessoas que chegam de tantos países diferentes”, descreve. Digamos que é uma cidade que se estranha mas depois se entranha.

E a resposta para isto parece residir nas várias actividades que dão vida à cidade, sempre com muitos eventos dedicados à moda, cinema ou música. Além disso tem “alguns parques, muitos museus, cinemas e centros sociais". "Tem uma arquitectura mista, centros históricos importantes, como o Duomo e as Gallerie Vittorio Emmanuele, e muitas zonas comerciais e de lazer, como a Via Torino ou a Navigli. É uma cidade onde é muito fácil chegar, mas de onde é muito difícil ir embora”, conclui.

A paixão com que fala de Milão é evidente, pelo que não surpreende quando diz que não sabe quando vai voltar a Portugal. Se o fizer será certamente “por motivos pessoais, sobretudo se ligados à minha família, que continua a ser a minha prioridade principal”. Para já e como a maioria dos emigrantes portugueses, Isnaba sente na alma e no corpo os efeitos dessa palavra tão lusitana que é “saudade”. Saudade da “luz, do mar, de ir à praia em Março, dos caracóis e bifanas". "Tenho muitas saudades dos meus amigos”, diz. E eles por certo que têm dela.

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