Jogos Olímpicos: este maratonista não tem pátria
O COI autorizou a participação de Guor Marial como independente, pois o atleta não podia competir pelos Estados Unidos, Sudão do Sul nem pelo Sudão
Guor Marial estava num beco sem saída. Nascido no que é hoje o Sudão do Sul, o maratonista viu o Comité Olímpico Internacional (COI) recusar a participação do seu país nos Jogos de Londres, por ainda não ter um comité olímpico nacional reconhecido. A alternativa seria competir pelo Sudão, algo que o atleta sempre recusou.
Marial vive nos Estados Unidos há 11 anos, mas também não tem nacionalidade americana, o que o impedia de representar os EUA. Como fazer? A solução chegou no sábado, quando o COI autorizou Marial a ir a Londres como atleta independente. “O facto de ir aos Jogos Olímpicos significa muito, não só para mim, mas também para o meu país, que passou por muito”, disse Guor Marial, em declarações à CNN.
“Mesmo sem levar a bandeira do meu país, vou ser a bandeira do meu país. O Sudão do Sul vai estar no meu coração”, acrescentou o atleta de 28 anos, que conseguiu a qualificação em Outubro passado. A solução mais fácil teria sido o maratonista representar o Sudão, uma hipótese de que ele nunca quis ouvir falar.
“Nunca”, disse Marial à CNN. “Só pensar nisso já é uma traição. Morreram 28 pessoas da minha família na guerra com o Sudão. Milhões de pessoas do meu povo foram mortos por forças do Sudão. Eu até posso perdoar, mas nunca poderia honrar e glorificar um país que matou a minha própria gente”, justificou o atleta, que abandonou o Sudão em 1993 e passou pelo Egipto, antes de ser acolhido pelos Estados Unidos.
O COI autorizou a participação de Guor Marial como independente, justificando que ele é “residente permanente”, com estatuto de refugiado, nos Estados Unidos, mas não um “cidadão” americano. “Não pode competir pelos Estados Unidos, Sudão do Sul nem Sudão”, diz o comunicado da entidade que supervisiona os Jogos Olímpicos.
Marial vai, assim, competir sob a bandeira olímpica, vestir um equipamento sem alusão a qualquer país e se conquistar uma medalha será tocado o hino olímpico. Se for autorizado, o atleta tentará usar uma pulseira com o seu nome e as cores do Sudão do Sul. Esta situação, no entanto, não é inédita, até porque este sudanês do sul se vai juntar em Londres a três atletas das Antilhas holandesas, que recusaram competir pela Holanda, após a dissolução do seu país em Outubro de 2010.
Em Sydney 2000, também houve quatro atletas timorenses a competir sem pátria, o mesmo tendo acontecido em 1992 com 58 atletas da Jugoslávia e da Macedónia. A aprovação do COI, no entanto, não resolveu todos os problemas deste maratonista sem pátria. Para poder viajar para Londres, Marial precisa de arranjar um passaporte e um visto a tempo de chegar à cerimónia de abertura, que se realiza na sexta-feira. Ou, na pior das hipóteses, de estar na capital inglesa a 12 Agosto, dia em que decorre a maratona masculina e terminam os Jogos.
A torcer por ele estarão cerca de dez milhões de habitantes do Sudão do Sul, a mais jovem nação do mundo – é independente desde Julho do ano passado. E entre eles os pais de Guor Marial, que não vêem o filho desde 1993. “Espero que eles me vejam a correr nos Jogos Olímpicos”, contou o maratonista à CNN. “Eles vivem numa aldeia sem electricidade e televisões. Mas planeiam ir a pé até à cidade mais próxima, a 40 milhas [64 quilómetros], para me verem na televisão.”
A 25 de Julho, o PÚBLICO lança um site especial dos Jogos Olímpicos, com as principais notícias, as reportagens dos nossos enviados a Londres, as melhores histórias olímpicas e os perfis dos portugueses, além das melhores fotos das provas.