O triunfo das margens

No próximo fim-de-semana, chega ao Porto o Primavera Sound. Com música mesmo nova, clássicos e candidatos a clássicos

Yo La Tengo Matthew Salacuse
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Houve um tempo em que a música popular se dividia entre o "mainstream" — isto é, a música que todos conhecem, a bem ou a mal — e o resto. O resto, que se designou por indie, era uma mini-indústria com modos de produção e distribuição herdados do punk, do faz-tu-mesmo. Mas esses tempos, de que os anos 80 e 90 foram o apogeu, já lá vão. As margens agigantaram-se e o Primavera Sound é talvez a maior prova desta teoria. O indie já não é uma mini-indústria. Chegou aos anúncios publicitários, às estratégias dos "marketeers" e, claro, aos festivais. Em Barcelona, onde nasceu, o Primavera Sound, meca do indie mundial, tornou-se uma instituição, chamando milhares de pessoas de vários pontos do mundo, atraídas pela quase impossível concentração de música excitante.

Entre 7 e 10 de Junho, o Porto terá o seu Primavera Sound. Como acontece sempre nos Primavera, no Porto haverá música verdadeiramente nova, clássicos e candidatos a clássicos. Tudo, em conjunto, a celebrar o triunfo das margens.

O novo

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Quem diz que a música encravou numa repetição eterna em torno de si mesma tem no Optimus Primavera Sound um bom remédio. Pode experimentar o vazio negro de Demdike Stare ou embalar-se pela música em câmara lenta, despojada e plena de ecos "dub" do britânico Forest Swords. Ambos rejeitam classificações fáceis.

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Mas o novo também se dança, como demonstrarão os portugueses Gala Drop, acabados de lançar o EP Broda, com Ben Chasny (Six Organs of Admittance) a bordo, algures entre a exuberância “guitarrística” dos primeiros discos de Santana e a gestão do transe própria do "kraut" e do "dub". Para levar a dança às consequências mais hedonistas, apresente-se John Talabot, autor de um dos mais celebrados discos de 2012, "ƒIN", convite ao êxtase comunal do povo do Primavera.

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Curioso será também ver como The Weeknd transpõe o seu R&B feito de sexo, suor e torpor lisérgico para palco e atentar na forma como Adam Bainbridge (Kindness) apresenta as suas canções em que habitam os espíritos de Arthur Russell, Prince e outras luminárias da pop que se dança.

Os clássicos

Dissemos que quem diz que a música encravou numa repetição eterna em torno de si mesma tem no Optimus Primavera Sound um bom remédio. E acrescentámos que o cartaz tem música nova em quantidade suficiente para convencer os cínicos. Mas, se ainda assim não mudar de ideias, pode ficar pelos clássicos. E é uma tradição do Primavera tê-los em abundância.

Neste capítulo, destaca-se Jeff Mangum, conhecido pelo projecto Neutral Milk Hotel ("In the Aeroplane Over the Sea", de 1998, é um fundamental compêndio de canções "indie-folk"). Os cúmplices Olivia Tremor Control, onde Mangum militou, também estarão no Porto a mostrar como, nos secos anos 90, introduziram a estranheza garrida dos anos 1960 psicadélicos.

A Lee Ranaldo (dos Sonic Youth) e aos Yo La Tengo poder-se-á atribuir boa parte da autoria do que entendemos por rock independente – os fiéis marcarão presença nas suas missas eléctricas. Quem cavar mais fundo dará pelo regresso dos Codeine, magos do "slowcore" regressados aos palcos, e dos Afghan Whigs, também retirados ao sono profundo em que se tinham metido. A indústria do indie é cada vez mais fértil nestes regressos.

Quem nunca desapareceu de cena e já merece o estatuto de clássico são os Wilco, discretos reinventores da música americana, e os Dirty Three, um gentil turbilhão vindo da Austrália movido a guitarra eléctrica, bateria e violino.

Os candidatos a clássicos

Ainda não o são, mas estão quase lá. São candidatos a figurar na história do género (apostas nossas, claro está), são novos nomes já consagrados do actual cenário indie. Alguns deles têm apenas um álbum, mas já se afiguram como certezas. É o caso dos The xx, que, com apenas um disco, lançado em 2009, se tornaram um caso sério da música britânica (especialmente depois de venceram o Mercury Prize). Fazem pop elegante, com poucos meios e introspectiva.

Com mais álbuns (quatro) e um estatuto mais discreto, os Beach House fazem canções que são um elogio ao lusco-fusco e à melancolia. Quem não quer nada com isso são os Black Lips e James Ferraro, por motivos completamente diferentes: os primeiros são uma ventania de rock’n’roll, mau comportamento e canções memoráveis; o segundo tem vindo a criar uma mitologia pessoal, plena de referências à cultura popular, hipertecnológica e descartável do pós-capitalismo, universo que injecta numa música inclassificável, sempre desconcertante.

Valerá ainda a pena ver a catarse rock dos Walkmen, ouvir as canções de Atlas Sound (Bradford Cox, dos Deerhunter), dançar com os The Rapture, entoar as cantigas dos Kings of Convenience e festejar a inconsequência pós-adolescente, vertida em impecável punk rock, dos Wavves.

Sabe mais no encarte especial Optimus Primavera Sound no domingo com o jornal PÚBLICO.

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