A Palmilha é quase um ser vivo

Ao fim de dez anos, a Palmilha Dentada deixou de ser nómada. Tem uma casa — o Helena Sá e Costa —, mas continua a funcionar sem apoios. E a ensaiar em cafés e com folhas de Excel

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Ricardo Alves, Rodrigo Santos, Ivo Bastos e Nuno Preto são o quarteto Palmilha Luís Efigénio/nFactos

Em 2010, tentaram matá-la. Fizeram-lhe o velório no espectáculo "7AM". Mas ela resistiu. Ela, a Palmilha Dentada, tornou-se uma “entidade maior” do que eles, Ricardo Alves, Rodrigo Santos, Ivo Bastos e Nuno Preto, os palmilhas.

“É quase um ser vivo que já tem um identidade própria e que nós não controlamos. É um monstro que criamos, uma caixa de Pandora que abrimos e que não sabemos muito bem o que nos pode trazer.” Palavras do fundador e dramaturgo Ricardo Alves, numa espécie de balanço de dez anos de vida e poucos dias de casa da Palmilha Dentada.

A casa – o Helena Sá e Costa – é uma novidade completa. A companhia, agora residente no teatro portuense, nunca antes teve um poiso certo. Uma espécie de vida nómada – sem casa e também sem apoios. Uma boa definição para a Palmilha? “O que nos define não é bem não ter apoios, porque a gente procura-os, o que define a Palmilha é não os conseguir”, brinca Rodrigo Santos.

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Para contornar a crise das salas de teatro, a Palmilha vende bilhetes a cinco euros Luís Efigénio/nFactos

O vício da comédia

Nuno Preto garante que, apesar disso, nunca se sentiram sozinhos (“Há os amigos”), Ivo Bastos encolhe os ombros (“A palmadinha nas costas”). Isto – o humor, não só nos espectáculos – é uma boa definição para a Palmilha. “Somos viciados em comédia”, admite o fundador.

Quando Ricardo Alves desenhou esta companhia de teatro, em 2001, queria, “acima de tudo, ter um espaço de intervenção cívica”. E a Palmilha é também isso: “Uma forma de exorcizar os nossos medos, os nossos anseios, e de os partilhar com o nosso público”.

Com um ano e meio de casa, Nuno Preto é o elemento mais recente do quarteto que constitui o núcleo duro da Palmilha. Todos os outros estão desde o início. E é essa familiaridade que faz com que os “tempos de trabalho” sejam agora menores: “Quando chegamos à prática, para ensaiar, às vezes basta uma semana [para ter o espectáculo pronto]”, conta Rodrigo Santos.

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Dimas e Gestas é a primeira peça que apresentam como companhia residente do Helena Sá e Costa Luís Efigénio/nFactos

Folhas de Excel e conversa de café

Mas o segredo não está só na familiaridade. Há as folhas de Excel – tabelas com tempos de entrada e ideias resumidas - e as conversas em cafés do Porto. Grande parte do processo é feito através dessa troca de ideias. “Ou pelo menos da tentativa, porque, regra geral, o Ricardo tem uma ideia na cabeça e dá-nos uma espécie de quintal para a gente brincar, com as redes muito altas”, diz Rodrigo Santos.

A Palmilha amadureceu, está mais velha. Balanço da década cultural no Porto? “O que mudou na cultura foi um senhor chamado Rui Rio, que basicamente fez a cidade regredir uns anos depois da Capital [Europeia] da Cultura”.

“O tecido da cidade está frágil e vai piorar com a crise”, lamenta Ricardo Alves, que fala de “desalento e cansaço, tanto dos criadores como dos públicos”. “Isso já se nota nas salas.”

No palco do Helena Sá e Costa há dois crucifixos gigantes. É o cenário de “Dimas e Gestas”, a primeira peça da Palmilha na sua casa, em cena até 18 de Fevereiro, um musical que reforça o fascínio da companhia pelos temas bíblicos e pelas imagens fortes. É um espectáculo que explora o contraste entre a música e a cruz, explica Ricardo Alves, e que é (mais um vez) um pouco “auto-biográfico”: “Estamos na cruz mas estamos vivos. E temos de aproveitar até ao fim”.

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