“Praxis”: a “praxe como não deve ser” ou uma “reprodução fiel”?
Documentário "Praxis" não deixa movimentos pró e anti praxe indiferentes. Para o dux de Coimbra o filme mostra "aquilo que não deve ser a praxe". O M.A.T.A fala de uma "reprodução fiel" da tradição
A curta-metragem "Praxis" “mostra aquilo que não é a praxe académica, ou aquilo que não deve ser”. João Luís Jesus, dux veteranorum da academia coimbrã não contesta a imagem que a Universidade de Coimbra (UC) tem no documentário de Bruno Moraes Cabral – “O minuto e meio em que aparece a Universidade de Coimbra mostra a realidade” –, mas não se revê no restante.
“Em 90% do tempo, é um documentário sobre o que não deve ser a praxe, quase tudo o que vi é proibido na Universidade de Coimbra.” João Luís Jesus falava, por exemplo, de praxes que põem os caloiros a rebolar no chão ou na lama: “Aqui é proibido qualquer actividade que suje o caloiro”, explica.
Ideia diferente tem Ricardo Alves, do Movimento Anti Tradição Académica (M.A.T.A.): “O realizador filmou apenas o que deixaram, não há entrevistas nem comentários; é uma reprodução fiel e está dentro daquilo que se conhece das praxes”.
Mesmo tendo apenas visto o trailer e lido declarações do realizador, Luís Pedro Mateus, administrador do site “Praxe – Porto”, arrisca um diagnóstico: “Parece-me uma imagem redutora da praxe".
Estilo de vida "versus" sociedade secreta
"O que se vê é apenas a parte da recepção ao caloiro e a praxe é muito mais do que isso”. O que é, então, a praxe académica? A mesma pergunta, respostas opostas: “Um estilo de vida”, diz Luís Pedro Mateus. “É quase uma sociedade secreta, onde se notam valores como a homofobia, autoritarismo, uma hierarquia sem sentido”, afirma Ricardo Alves.
O tema não é pacífico. No final de 2011, a maioria PSD/CDS-PP chumbou um projecto de resolução do Bloco de Esquerda (BE), que recomendava ao Governo a adopção de medidas para desencorajar as praxes violentas e apoiar os alunos vítimas dessas práticas.
“Não sei se será através de um decreto, acho que era importante haver um alerta da comunidade universitária para este assunto”, defende Ricardo Alves, do M.A.T.A.. O dux veteranorum da UC não se sente visado por esta proposta do BE: “Nenhum político ou reitoria falou alguma vez de Coimbra como um exemplo de uma praxe incorrecta, não sentimos que temos de mudar”, afirmou.
Tradição académica
Ao contrário do representante da UC, Luís Pedro Mateus revê a Universidade do Porto nas filmagens do Praxis, rodado em 19 faculdades, nas universidades de Lisboa, Coimbra, Aveiro, Évora e Beja. “A parte de recepção ao caloiro é muito o que se vê no filme”, admite, mas a inclusão de “academias como Évora ou Lisboa, com tradições menos fortes”, e exclusão do Porto, são “uma falha”.
Durante os três meses de rodagem da curta-metragem, Bruno Moraes Cabral teve apenas duas portas fechadas, uma delas de Coimbra, onde lhe disseram que não podia filmar à noite. João Luís Jesus justifica: “À noite não há praxe em Coimbra. Só as trupes – estrutura de alunos que se junta à noite para detectar possíveis infractores da lei da praxe – actuam à noite”.
Quem andar na rua fora de horas, pelas leis da praxe coimbrã, pode ser punido: “As sanções podem ser de ‘raspanço’, cortes de cabelo, ou de unhas”, onde se bate nas unhas dos estudantes com a colher da praxe.
O realizador Bruno Moraes Cabral notou em todas as faculdades um sentimento latente: “Independentemente de tudo o que me aconteceu, de bom e de mal, no próximo ano vai ser a minha vez”. “É um desejo de vingança que infelizmente acontece”, responde o aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Luís Pedro Mateus: “O que apetece dizer é que já começam mal, porque a praxe não é isso”.