Che Guevara a vender Mercedes é demasiado revolucionário?
Campanha publicitária onde Che aparecia com o símbolo da Mercedes na boina é o centro da polémica. Exilados cubanos exigiram um pedido de desculpas. E a marca alemã já o fez
Pode parecer uma ideia demasiado excêntrica, arriscada ou mesmo revolucionária. Mas a Mercedes Benz aventurou-se: lançou – ou melhor, tentou lançar - uma campanha publicitária que põe Che Guevara a vender automóveis. A reacção imediata de exilados cubanos, que se insurgiram contra o uso da imagem de um "assassino em massa", impediu que a campanha fosse para a frente. E deu já origem a um pedido de desculpas público da marca alemã.
Tudo começou na feira internacional de tecnologia Consumer Electronics Shows (CES), em Las Vegas. Dieter Zetsche, presidente da Mercedes Benz, subiu ao palanque para apresentar a mais recente iniciativa da marca: “CarTogether”, uma aposta no uso da tecnologia e das redes sociais para procurar passageiros para partilhar viagens.
“Alguns colegas acham que partilhar o carro roça o comunismo. Mas, se é esse o caso: Viva la revolución”, disse Zetsche. Nesta altura, já a fotografia gigante de Che Guevara aparecia na parede por detrás do presidente da marca de automóveis. Mas, em vez da estrela de cinco pontas, a boina de Che tinha desenhado o símbolo da Mercedes.
De Kansas City para o mundo
Não foi a primeira vez que a figura de Che foi usada para efeitos publicitários. Mas nunca a reacção tinha surgido de forma tão imediata (e revoltada) e, sobretudo, nunca tinha surgido por esta via. Ernesto Ariel Suaréz, um exilado cubano de Kansas City, nos Estados Unidos, é o nome de que se fala.
“A Mercedes considerou correcto usar a imagem de um assassino em massa para promover a sua nova tecnologia.” Assim começa o texto da petição, lançada online, para recolher assinaturas e exigir à marca alemã um pedido de desculpas público.
“Dado o historial desta companhia antes e depois da II Guerra Mundial, onde suportaram o regime nazi e usaram mão-de-obra escrava dos campos de concentração estabelecidos pela ditadura nacional-socialista, isto não devia ser uma surpresa”, acrescenta Ernesto Ariel Suaréz.
Outros casos
A famosa fotografia - tirada pelo cubano Alberto Korda, em 1960, em Havana – já tinha sido indevidamente usada: perfumes franceses, bebidas alcoólicas, detergentes de roupa e outros artigos de luxo fizeram também publicidade com a imagem de Che. Desta vez, Diana Díaz, filha do revolucionário, garantiu ao "El País" que os publicitários da Mercedes nem sequer a contactaram.
Também em 2000, quando a Smirnoff usou a imagem de Che para vender vodka, não foi pedida qualquer autorização ao fotógrafo nem à família. O caso chegou aos tribunais de Londres e condenou a marca de bebidas alcoólicas a pagar uma elevada indemnização a Korda, entretanto falecido, em 2001.
Desta vez, as proporções do caso levaram a Daimler AG, empresa alemã que controla a Mercedes, a reagir: "No seu discurso, o dr. Zetsche referiu-se à revolução na área automóvel permitida pelas novas tecnologias, em especial as trocas associadas com a mobilidade”.
“Para ilustrá-lo, a campanha utilizou uma fotografia de Che Guevara, que foi uma das muitas imagens utilizadas na apresentação. Daimler não estava a apoiar a vida ou acções desta personagem histórica nem a filosofia por ele defendida. Pedimos desculpa aos que se sentiram ofendidos”, escreveu a companhia em comunicado. A campanha verde da Mercedes chegou assim ao fim: sem indemnizações (pelo menos para já), mas da pior forma possível.