O conceito de "humor britânico" é acima de tudo utilizado para fazer contrastes com o americano; a paródia "made in UK" será uma alternativa erudita ao humor de peidos do novo mundo. É uma generalização palerma, que não faz justiça, nem à frequente sofisticação do humor americano, nem à grande tradição de humor sexual, fecal e puramente estúpido que, de Chaucer até hoje, é uma das grandes correntes humorísticas da cultura britânica. Será Benny Hill realmente mais sofisticado do que Steve Martin? "Little Britain" mais inteligente que "Community"? A saga "Com Jeito Vai" mais acutilantemente satírica do que os filmes de Billy Wilder?
O triste nesta frase feita é que quem defende o humor britânico parece limitar-se sempre às mesmas referências (sejamos honestos: o mundo inteiro sabe de cor todas as piadas dos Monty Python, do Mr. Bean e do "'Allo 'Allo!") ou, pior ainda, elogia o lixo televisivo que durante a última década e tal a RTP2 tem vendido como "Britcom". A maioria do bom humor britânico que se tem feito passa completamente ao lado destes supostos arautos.
E isto leva-nos a "The Thick Of It" - uma das criações mais recentes de Armando Iannucci, frequente colaborador do génio Chris Morris, autor do bizarro "Armando Iannucci Show" e um dos nomes de renome no cenário comédico britânico actual. Ao longo de três temporadas, um filme e uma série de especiais, "The Thick Of It" perfilou os corredores do poder, retratando o "Department of Social Affairs and Citizenship", um departamento menor de um governo claramente inspirado na era New Labour.
Um riso de vergonha
As personagens de "The Thick Of It" são amorais, mesquinhas e incompetentes. A visão que nos transmitem do governo é de um pesadelo de burocracia, interesses e jogo sujo. No episódio final da segunda temporada, a traição que o protagonista comete contra o seu melhor amigo tem contornos quase "shakespearianos". E, no entanto, a simples humanidade dos actores e o seu papel de capangas sem poder faz com que simpatizemos com eles, principalmente quando são atormentados pelo sádico assessor Malcolm Tucker, personagem cujos monólogos profanos explicam o porquê da série ter o seu próprio "swearing consultant" (algo como "consultor de profanidades").
Apesar de não variar de cenário como "The Wire" fez, "The Thick Of It" consegue ser um equivalente britânico à obra-prima de David Simon, na forma como detalha impiedosamente as falhas de um sistema falido e derrotado. No Reino Unido, território que sempre foi fértil para celebrações do ódio a si mesmo, a série é quase universalmente aclamada: o fictício Malcolm Tucker escreve artigos de opinião em jornais reais como o "The Guardian", qualquer membro da elite cultural tem os DVD em casa e sempre que ocorre um novo escândalo a resposta geral é "como é que será que ‘The Thick Of It’ vai abordar isto?"
O riso que esta série provoca não é um riso feliz. É um riso de vergonha, de desespero, de desamparo perante os desastres que criámos para nós próprios. São os tempos que correm, aqui como na Cool Britannia.