Desde há muito me habituei – provavelmente por força do exemplo dos que comigo convivem – a questionar o verdadeiro significado das palavras que proferimos, de forma mais ou menos inconsciente, todos os dias. Uma das palavras sobre a qual mais vezes me questiono é a palavra normal. Normal. NORMAL. Mas afinal o que é ser normal?
A minha dúvida (quase metódica) atingiu o estado de angústia quando me deparei, na Revista da Ordem dos Advogados (a mais recente: Ano 71, II, Abr./Jun. 2011), num artigo do Ilustre Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão subordinado ao tema “O Casamento de Pessoas do mesmo Sexo”, com o seguinte trecho: “Há que acentuar fortemente que na adopção o interesse prevalecente é o do adoptado. Este interesse requer um casal NORMAL para a adopção.” [maiúsculas nossas; pág. 410].
Não pretendo, aqui e agora, discorrer sobre a minha profunda discordância relativamente aos argumentos utilizados pelo insigne professor para considerar que o casamento e a adopção devem ficar vedados aos casais homossexuais – isso ficará para outro momento, seguramente.
O facto é que ainda não há lei da adopção. A questão ficou para “segundas núpcias” aquando da aprovação da Lei que permite o casamento de pessoas do mesmo sexo – que excluiu a adopção e apenas alterou o Código Civil na parte referente ao casamento. A Lei, recorde-se, foi aprovada em 2010, mas como, entretanto, o Governo caiu, nada mais foi feito até ao momento.
Conhecendo minimamente a realidade das famílias portuguesas, não posso deixar de me questionar sobre o que significa a expressão “casal normal” para todos (e são muitos…) os que utilizam, mais ou menos amiúde, esta expressão.
O que define, afinal, um casal normal? Tomando como ponto de partida do meu raciocínio a definição constante do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, normal é um adjectivo significando regular, conforme a norma, exemplar, sendo ainda utilizado como substantivo com o mesmo significado de usual.
Assim sendo, pergunto: Para serem normais, têm de trabalhar ambos os cônjuges ou pode um estar em casa? E se não tiverem filhos, são ainda normais? Um casal em que os seus membros tenham uma diferença de idade de 10 anos entre si, é normal? Será preciso ter casa própria para se ser normal? Quantas vezes por semana devem os membros do casal cumprir o denominado “débito conjugal” para serem normais? E que actos preenchem o conceito de “débito conjugal” normal? Já agora: se um dos membros do casal tiver um “amigo colorido” – o que até é bem usual –, estamos perante um casal normal?
Do meu ponto de vista, tudo isto é normal, muito normal. O que não me parece normal é que, sendo tão abrangente o conceito, ele já não englobe os casos em que os membros do casal, por acaso, são do mesmo sexo. Não entendo porque é que, só por isso, um casal já não seja normal. Mas a (a)normal devo ser eu.