A vida são as histórias que se contam

Em “Deixem Falar as Pedras”, de David Machado, avô e neto descobrem que “não é possível avançar em direção ao futuro sem tropeçar no passado”

“Deixem Falar as Pedras” detém-se sobre as coincidências e ironias que polvilham e constroem a vida
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“Deixem Falar as Pedras” detém-se sobre as coincidências e ironias que polvilham e constroem a vida
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Virgílio Ferreira, em “Aparição”, escreveu: “As palavras são como pedras. O que nelas vive é o espírito que por elas passa”. É sobre esses eflúvios de vida, sobre as histórias que desenhamos com as memórias, que versa o romance “Deixem Falar as Pedras”, o segundo de David Machado (n. 1978).

Para tentar resgatar o avô de um estado quase catatónico de imobilidade e telenovelas, Valdemar inicia uma demanda para que as verdades se reabilitem e histórias antigas se resolvam. Valdemar é um adolescente obeso acossado pelas dificuldades, medos e frustrações da adolescência, distanciando-se cada vez mais do pai controlador e da mãe ausente.

Depois de perder a cumplicidade e companhia do avô, a sua existência é apaziguada apenas pelo amor ao "heavy metal" e à Alice – vizinha, anorética e namorada incerta. Por coincidências e conspirações, o seu avô, Nicolau Manuel, viu a sua vida definida pela luta contra o regime de Salazar, ainda que nada houvesse na política que o interessasse. Por isso foi preso e torturado em várias ocasiões. Passou por todo o tipo de provações físicas e mentais mas chegou à velhice, que agora desperdiça em frente à televisão. Na esperança de um reencontro, esta notável história vai sendo contada por Valdemar a Graça dos Penedo, a mulher que Nicolau nunca esqueceu, mas de quem foi afastado pelos imponderáveis que teve de enfrentar.

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Emanuel Madalena

Porque deves ler este livro?

“Deixem Falar as Pedras” detém-se sobre as coincidências e ironias que polvilham e constroem a vida. Com uma escrita expressiva e irrepreensível, David Machado cria a voz incomum de Valdemar com uma força e frescura surpreendente, enquanto tece com minúcia uma teia narrativa envolvente, que vai desde os meandros da luta antifascista até aos percalços de um jovem problemático a crescer no mundo atual.

Esta narrativa é dividida em capítulos que intercalam a história de Nicolau Manuel com o dia-a-dia do neto. Ao longo do livro percebemos que estamos a ler o “diário” do jovem, e que as rasuras que aparecem amiúde no texto, cobrindo frases inteiras, surgem de uma censura do próprio Valdemar, quando percebe que “nem todas as memórias devem estar à mostra”. “Deixem Falar as Pedras” é um livro cativante, que conquista principalmente pela força narrativa e pela perspetiva de quem escreve para expiar os seus fantasmas e fixar as memórias com que o passado se constrói, esperando que sejam as fundações para um futuro melhor.

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