Penso que para “grevar” é preciso ter um emprego ao qual se possa faltar. Não me parece que algumas das pessoas que ontem se manifestaram em frente ao parlamento reúnam esta condição. Muitos deles são ainda estudantes e estão apenas (e com razão) aterrorizados acerca do seu futuro. Faz-me lembrar o confuso tratamento, aquando do referendo acerca da despenalização do aborto, em que muitas das pessoas respondia com um retundo: “Eu sou contra o aborto.” E quem não o é? Não era isso que estava em causa. Por isso, prefiro referir-me ao dia de ontem como protesto geral.
A verdade é que, hoje, as pessoas já voltaram para os trabalhinhos (aquelas que os têm) e não tarda estão a almoçar, ocasião em que alguns farão frente àqueles que furaram o dia de ontem e que, provavelmente, não tiveram condições para poderem manifestar a preceito a sua insatisfação do Marquês ao Parlamento. Enfim. Também na classe artística houve quem tentasse impedir os que quiseram furar a greve, denegrindo a sua imagem nos vários suportes das redes sociais e bufando a quem já teve ou tem algum poder opinativo.
Esses mesmos “bufantes” trabalharam no dia de ontem e, ainda por cima, gabarolaram-se publicamente acerca dos seus feitos. Julgo que, numa democracia, todos deveriam decidir, como e quando se querem manifestar, e é de evitar pressionar (aludindo a “uma classe”, há quanto tempo é que a luta de classes já foi a enterrar?) aqueles que querem fazer como melhor lhes aprouver. É por isso que (ainda) vivemos em democracia.
No dia seguinte ao protesto geral, o Governo insiste tão somente com a resposta: “A austeridade é a solução e o caminho”. Já percebemos que, pelo menos pela parte do senhor primeiro-ministro, a austeridade é uma coisa que faz parte do seu estilo pessoal, começa no penteado e termina nos sapatos de vela “à la Quinta do Lago”. A austeridade, apesar de não rimar, soa-me a intolerância e a forretice (e a professoras primárias munidas de réguas de madeira). O "senhor primeiro" deveria reformular o vocabulário para não parecer tão “Estado Novo” - é que assim só desmoraliza os contribuintes já de si agastados.
Lamento que as greves ou os protestos tenham perdido a possibilidade de se insurgir contra os “patrões” ou as “empresas”, no fundo perdemos essa capacidade de “fulanizar” um alvo, porque simplesmente já não faz sentido. Se somos nós, os pequenos contribuintes, a pagar esta crise, consideremos a tolerância como um bem primordial nos tempos que correm. Se não contra nós próprios “grevamos”.